Resposta ao Universitário João Felipe
Se a eternidade me remete a uma realidade perene, quer dizer um principio sem inicio, um fim sem termino, em via de regra padre eu sou participe dela enquanto realidade terrena ou a vivencia nossa é uma realidade a parte da própria?
Caro João,
Pax et salus in Domine!
Sinto que a sua inquietação frente a tamanha questão é um excelente sinal de crescimento no caminho da reflexão. A sua pergunta não é fácil de responder, pois aborda a realidade extra corpórea, o devir da pessoa humana. Pensar a eternidade não é uma simples tarefa em razão da circunscrição real na qual o ser humano, enquanto ser histórico está imiscuído. Tudo que tentarmos elaborar acerca do mundo transcendente levará as marcas dos nossos limites de espaço e tempo, categorias ausentes no mundo sobrenatural e limitadas ao transitório da historicidade do mundo material.
A pessoa humana pode ser definida como “espírito encarnado”. O espírito humano é uma realidade singular da Criação Divina, no momento de nossa concepção intra-uterina. Portanto, a pessoa humana não é eterna, pois teve um momento do desabrochar de sua existência mediante o ato criador de Deus que a fez para a eternidade. A realidade material, comumente chamada de universo, cujas fronteiras ainda não foram desvendadas pela inteligência humana, também é resultado de um ato singular do Criador. Desta feita, não podemos atestar, como o Filósofo Aristóteles (Séc. IV a.C.) que a matéria seja eterna. Contudo, não há de se contestar com total objetividade que a mesma possa durar para sempre, numa dinâmica inconteste de transmutação da performance de suas variadas expressões de beleza.
Pelo que já se refletiu e ponderou ao longo do caminho do discurso racional acerca da tentativa de compreender, ainda que por analogia, o mistério da eternidade, temos que admitir que a eternidade perene não é estática e monótona. Deve ser, sim, um eterno devir de uma realidade que, ontologicamente, se auto compenetra de um ágape (amor) que nunca se esvazia ou se desvaneça. Mesmo que o ontos (ser) na eternidade já tenha atingido a meta da perfeição, não significa que tenha esgotado o movimento da auto-realizaçao. Se o ser puro e realizado é o ágape na sua mais profunda pujança, não se pode entender isso como algo hermético e sim, aberto ao eterno devir da auto compenetração do mesmo amor.
A questão precípua é definir onde começa a fronteira da eternidade. Ao meu ver não podemos desconsiderar que a mesma comece no ser inteligente da pessoa humana. Anselm Grun escreveu um livro muito sugestivo e bonito que nos ajuda a adentrar este grande pórtico. O título é: O céu começa em você (Editora Vozes – RJ).
A teologia cristã desenvolvida no pós Concílio Vaticano II (1963 – 1965), precisamente com o alemão Karl Rhaner e outros elaboram o discurso do “JÁ” e do “AINDA NÃO” para tentar dar cabo a explicação de tão tremenda realidade, embora determinante em absoluto como resposta ao vazio angustiante do ser humano. A eternidade (sinal do Reino de Deus inaugurado por Jesus) “JÁ” está em nós e no meio de nós, mas “AINDA NÃO” se consumou “in totum”. Ainda “andamos às apalpadelas”, pois não temos como compreender tudo em razão da historicidade. Somos limitados aos revezes da materialidade, o elemento tanatológico (morte) ainda é o espectro que nos espera na esquina da vida.
Dando cabo ao teor de sua inteligente pergunta, tenho a dizer, na minha apedeutia existencial, que o “JÁ” e o “AINDA NÃO” é uma latência relacional e dialética: o mundo dos homens está prenhe do mundo que ainda não conhecemos e haveremos de conhecer, fora das categorias que nos agonizam na efemeridade da vida, mas que já gesta em si o nosso devir para o qual nos insta a virtude da Esperança.
Sei que sua inquietude não é fácil de sanar a não ser pelo jogar-se no indizível da absolutês do Eterno Deus e Senhor. O Filósofo Kiekegard, no seu existencialismo cristão, inferiu que o homem é um eterno apaixonado pelo Absoluto. Talvez aqui poderíamos denotar um forte elemento que prova a imaterialidade do homem que nunca se contenta com a transitoriedade da existência e se projeta, no seu devaneio saudoso, para além dos muros da história. Entre nós e a consumação da eternidade perene existe um muro, um umbral que, no meu parco entendimento, torna-se para nós o enigma da surpresa maior que nos aguarda. Para tanto, não resta outra análoga realidade para dar cabo a essa angústia a não ser a virtude da Fé.
Sigimundo Freud, Sartre, Augusto Comte, Marx Veber, Emile Durkhem, Karl Marx e tantos outros atestaram sua negação da eternidade fora do mundo no qual estamos circunscrito. Viram na manifestação religiosa da fé uma fuga ou submissão a um aspecto anestesiante que de forma embassada dava alívio à angustia de não poder conhecer ou querer justificar um mundo inexistente fora da realidade empírica a que estamos formatados por uma espécie de destino construído pelo próprio devir da eternidade da matéria. Contudo, não podemos deixar de lembrar que as teses de tão ilustres pensadores de cunho iluministas e radicalmente materialista não foram suficientes para explanar a dúvida humana quanto ao início, meio e fim da vida humana. Sem se ater à dimensão transcendental e imaterial do homem, torna-se impossível uma explicação plausível para o seu significado no interior do cosmos. A mais sublime realidade que dá suporte a esta compreensão é a virtude do Amor (Caridade). O amor é a ponte entre o aqui e o lá, entre o imanente e o transcendente, entre o já e o ainda não, entre o mundo material e o mundo sobrenatural. No amor encontramos as pegadas e vestígios do Criador que nos legou o grande patrimônio da existência.
Desculpe-me pela delonga em te responder, do meu jeito, é claro. Aliás, diante de tão sublime pergunta a melhor postura é a apofática (calar) em detrimento da catafática (falar). Sei que falei mais do que realmente expliquei. Há! deixa isso pra lá; um dia vamos nos deparar com o outro lado da existência e da essência do humano e, quem sabe, fora do presente arsenal limitado e humanamente transitório do presente conhecimento, possamos nos embeber de uma outra realidade sem obscuridade e meio termos, mas o verdadeiro descortinar da ETERNA VERDADE.