Homens e mares
Não atravessamos o mesmo rio duas vezes. Mesmo porque o rio não fica parado feito pedra esperando que passemos e passemos outra vez. Ele viaja, percorre caminhos novos, contorna obstáculos grandes, engole pequenos empecilhos.
Os rios não se conformam à condição de rios. Vêem-se pequenos e medíocres, lagoas insignificantes diante da grandeza existente. E nessa condição nobre de humildade percorrem o mundo, e a cada corredeira, seja em profundas ou rasas águas... ele não é mais o mesmo.
Enfrenta chuvas, fica turvo, fica límpido. Poluem-no, entopem-no com lixo humano. Envenenam-no. É a ganância da desumilde raça humana. O rio resiste.
Possui um objetivo nobre. Não deseja terminar na condição de rio.
Alcança, enfim, seu destino.
Alcança o mar. Deságua nele. Torna-se grande, mas continua pequeno, nada mais que uma gota junto de outras gotas.
Ele quer mais. Segue indo, nunca mais o mesmo.
E o homem com tanta sabedoria, tantas ciências descobertas, pesquisadas a fundo, oriundo do que é mais nobre que seria o Criador de tudo, segue sempre indo, nunca mais o mesmo, mas sempre igual.
Chora, ri, namora e tem filhos.
Envelhece e permanece o mesmo... o mesmo descabido e desumilde ho-mem. Mesquinho, desejando bajulações, desejando que o amem, que o adorem, que o procurem sempre.
Nascem uns, morrem outros, e nada entende o homem que nada mais é que uma gota em meio a tantas gotas.
Homens não são como rios, não pretendem conhecer o mundo, correm para um único fim: para eles, mesquinhando-se cada dia mais. Egoística-mente eles. E que persigam, e que bajulem o homem que pensa ser o mar.
Mísera gotícula ao sol, esvaindo-se a cada dia, desaprendendo a ser ela, pensando ser mar, quando na verdade um deserto há.
O homem não quer aprender nada que quebre seu endeusamento.
O homem é um egoísta fingindo ser bom.
Perigosa vertente gotejando em outras fontes.
Definitivamente, homens não são riachos.
Menos ainda mares.