Esperança
Não, eu não desisti não. Tantas vezes quantas forem necessárias eu vou bater essa minha cabeça oca na parede até sangrar. Que me importa se aí fora no mundo as pessoas se apertam em metrôs, que as pessoas mal se olhem, que o defender-se e acasalar-se seja a ordem do dia, somos animais é o que grita o populacho enquanto o trem apita no fim do túnel. Que me importa essa falta de gentileza, essa falta de honestidade, que me importa essa sua cara de deboche pra mim? Dane-se o que pensa você, o que pensamos nós, o que pensais vós, eu quero, desejo, mereço, ser feliz hoje, aqui, agora, não amanhã, não depois quando você estiver disponível.
E se for pra falar de esperança, o que pode encher mais meus olhos do que a receptividade de outro olhar? O que pode me iludir mais que aquele corpo que se encosta receptivo, do que aquele abraço intenso, do que aquela fungadinha no pescoço, do que as mãos que não se querem largar das minhas pra andar enfiadas nos bolsos? E por falar de esperança, quem não for humano que atire a primeira pedra, já que desde a teta da mãe, só o que queremos, só o que buscamos é alguém que te ame incondicionalmente, daquele jeito, alguém que te aceite e que te alimente até mesmo quando não queiras, alguém que vai te achar lindo mesmo que teu rosto esteja coberto de acnes purulentas, alguém que não está nem aí se cheiras mal depois de uma partida intensa de futebol. Que me importa se dizem nos orfanatos que esse propalado incondicionado amor não existe, eu quero gritar dos campanários, eu quero rolar pela estrada, eu quero ensandecer nos hospícios, por um amor verdadeiro que me dê sangue e fome de vida. Eu quero. Eu preciso. Eu vou. Porque sem essa gana, não há motivos que me prendam aqui nessa sujeira absurda, nesse seu mundinho sórdido, nessa procura insana do prazer pelo prazer.
Por isso que do alto desse edifício, com esse vento Minuano ventando o inverno que chega, com esse arrepio na espinha, eu olho pra baixo e não, não tenho mais vontade de me lançar no despenhadeiro dessas desilusões que passaram, passaram como todas as caravanas no deserto, passaram como os dias, os meses, os anos que te fazem mais velho, feio e infeliz. Do alto desse edifício eu agora grito e abro os braços, e abraço o infinito e o amor que chega a mim. Que venha e seja bem-vindo, que venha e acenda todas as lamparinas da casa, todos os fogos de artifício no céu, que crepite na lareira e se aqueça em mim. Que venha, permaneça e me salve de mim. Amém.