Conhaque Verde
Olhar nuvens. Olhar grama. Olhar nos olhos. Olhar as bicicletas. Os carros. Os reflexos nas poças. Uma situação invisível, situada aqui, mas lá, no incognoscível. Estar com você tem sido colocar a cabeça dentro de uma privada e dar descarga. Percebo que você não é daquelas pessoas que dá chão simplesmente para que os que se relacionam com você não tenham onde pisar. Flutuo, meu amor. Flutuo à sua volta. Te cerco como posso, te tocando sem te tocar; sendo visto sem ser percebido. Sofro sorrindo com você à minha frente, mas me vendo no futuro: sozinho e de ombros derreados, pranteando o que tivemos e que se esfarelou ao vento de alguma incerteza, de alguma palavra não dita, de algum sentimento mantido no ostracismo. Como dizer o indizível? Dizer o que não é crível? Tornar-me ser risível... Ser a mira de uma metralhadora de dedos apontados e risinhos abafados em intervalos escolares sob frondosas árvores. Um velho que sente em sua boca o gosto da juventude. Foi isso que me tornei: um velho. Um velho macambúzio. Um velho vampiro que quer sugar sua vitalidade. Tornei-me o colegial desta história. Sinto você sem te sentir. Sinto você onde farejo, onde inspiro, onde porejo, onde me beijo. Sinto você em toda calma que precede explosão. E em todo fim de tarde em que observo torvelinhos em poças em beira de bueiro. Esperando que da sujeira que sobrou de nós venha a imissão de posse do que perdi. E que nunca foi meu.
15/05/2012 - 18h50m