TREINANDO PARA A INOFENDIBILIDADE
É comum, e bem comum, perdermos a calma com as mais diversas situações, somos todos Dom Quixotes, tentando guerrear, à noite, no escuro, contra inimigos mortais... e ainda estamos longe do amanhecer... quando então descobriremos que os inimigos eram tão somente moinhos de ventos. E nessa permanente véspera de batalha em que estamos, basta tão somente que alguém mude o timbre da sua voz para conosco, ou passe do ponto da parada onde deveríamos descer, ou queira entrar na fila bem na nossa frente, ou nos olhe com olhar de superioridade, ou até que nos fale mesmo coisas na intenção de nos ofender... Pronto! Está declarada mais uma microguerra, que juntada às outras bilhões existentes por todo o planeta diariamente, cada vez mais, afasta-nos de uma sociedade suportável. E a discussão começa... e o corpo se modifica... a raiva nos toma conta... uma sensação esquisita se nos apodera... e depois da discussão, continua essa sensação por dentro da gente, durante horas (há casos de raivas que duram dias, meses, anos)... e o pensamento fica voltado só pra aquele momento, e ficamos pensando nas coisas que deveríamos ter dito àquela pessoa, ou ainda ansiosos pra ter uma nova oportunidade de mostrar a ela o quanto somos melhores que ela... vingança... “um olho por um olho”, ou até dois, três por um, afinal a vantagem tem que ser nossa...
Eu também sou assim, porém, de uns tempos pra cá eu venho exercitando uma prática que, até agora, tá dando cada vez mais resultado, é o seguinte: há algum tempo atrás quando entrei numa situação de conflito e senti que iria sentir todos os sintomas relatados acima, tão já velhos companheiros meus, comecei a contar, calcular o tempo em que eu ficaria me sentindo mal, e tentando diminuí-lo, pensando no momento, mas não do jeito comum, pensando no que eu poderia ter feito pra não entrar na discussão, pensando em outras coisas, pensando em pessoas, em grandes pessoas que, com certeza não sucumbiriam numa situação daquela, porque temos que nos apoiar nesse tipo de gente, procurar pensar o que eles pensavam, falar o que eles falavam, fazer o que eles faziam, e ser o que eles foram e ainda são.. "se não é, imite", diz Lenine... Pois bem, no início se demorava a angústia em mim o dia todo... depois foram diminuindo as horas... passou a ser só de meio-dia tormento... depois... menos... algumas poucas horas... depois menos de uma hora... depois menos de meia-hora... e hoje, sinto-me cada vez mais imune à minha capacidade de me ofender... e vou indo...
No filme “Poltergeist, o Fenômeno”, há uma cena em que um garotinho está apavorado com os trovões numa noite de tempestade... ele está completamente em pânico quando seu pai entra em seu quarto, socorre-lhe, pergunta-lhe o porquê ele está daquele jeito, o garoto lhe explica que é terror aos trovões e o pai lhe dá essa dica: de contar o tempo entre o relâmpago e o barulho do trovão e lhe garante que se ele assim fizer, cada vez mais será maior o tempo entre um e outro, até que não haverá mais trovões... acho que foi de lá que fiz a analogia de contar o tempo, que no meu caso, deve ser menor, menor, menor...
“Se não houver o ofendido, não haverá o ofensor” Huberto Rohden