A Corda
(Texto extraído do Breviário da Decomposição, de Emil Cioran)
Não sei como me foi dado coligir esta confidência: "Sem profissão nem saúde, sem projetos nem recordações, releguei para longe de mim o porvir e o saber, e só possuo uma cama miserável sobre a qual devo desaprender o sol e os suspiros. Permaneço estirado nela, e conto as horas; em torno de mim, utensílios, objetos que me intimam a perder-me. O prego me sussurra: atravessa-te o coração, as poucas gotas que sairiam não deveriam assustar-te. A faca insinua: minha lâmina é infalível: um segundo de decisão e triunfarás sobre a miséria e a vergonha. A janela abre-se sozinha, rangendo no silêncio: compartilhas com os pobres as alturas da cidade; atira-te, minha abertura é generosa: sobre a calçada, em um abrir e fechar de olhos, te espedaçarás com o sentido ou o sem-sentido da vida. E uma corda se enrosca como sobre um pescoço ideal, assumindo um tom de força suplicante: espero-te desde sempre, assisti teus terrores, teus abatimentos e tuas asperezas, vi tuas cobertas amarrotadas, o travesseiro que tua raiva mordia, como também escutei as blasfêmias com que obsequiavas os deuses. Caridosa, tenho compaixão de ti e ofereço-te meus serviços. Pois nasceste para te enforcar, como todos os que desdenham uma resposta às suas dúvidas ou uma fuga ao seu desespero".