MARGINAL DO TIETÊ, SEIS DA TARDE

Essa porra não vai andar! Tenho hora pra chegar à faculdade. Tenho compromisso com um cliente. Tenho que ir ver a esposa e os filhos, caraaaaalho! Puta engarrafamento!

Haja paciência. Voa o pensamento. Descubro que sou triste. Minha cara no retrovisor é mórbida, nem parece a cara de uísque e reggae de ontem. Abrir o vidro é tragar o cheiro insuportável do esgotão chamado rio, bem pior que o gosto da ressaca de ontem.

A cara dos que estão atrás de mim, é ainda mais tácita – Vejo de relance no espelho interno. O que está atrás do anterior, o que vem lá mais atrás, o outro, o outro e os outros, todos doentios. Quilômetros de caras enfarruscadas, enervadas. Para o lado nem olho. Espio com o rabo do olho, olhos me flecham como se fosse eu quem tivesse mandado entupir de carros as pistas da Marginal. Ensurdecido pela estridência das buzinas não consigo ouvir as imprecações.

Os engenheiros ainda não inventaram mecanismos em que o som tenha a capacidade de mover automóveis.

Enquanto se irritam curtindo o som das buzinas eu curto Youssou Ndour, baixinho para não provocar mais fúria no motorista de trás. Deixo o vidro fechado para não ser surpreendido pelo cano de uma nove milímetros.

Joel de Sá
Enviado por Joel de Sá em 03/05/2012
Reeditado em 03/05/2012
Código do texto: T3647190
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