Quinta Ventosa
Os ponteiros do relógio giram e forçam a morsa que espreme o limão que acentua o meu humor. A areia cai lentamente dentro da ampulheta, mas parece que é nos meus olhos que está a outra parte, a parte receptora. Parece que a areia cai diretamente nas engrenagens do meu cérebro. Essa é só mais uma quinta-feira entre tantas. Dia de massas. Dia que precede o dia que precede o que anseio desde que a semana começa, lá no fim do domingo. Cama. Cama. Cama. Anseio, mas pouco fico nela. Sou uma dessas pessoas inquietas, que nunca está satisfeita com o que está acontecendo agora; sou uma dessas pessoas que vivem de projeções, só pra ter com que se frustrar, suponho. Sou uma dessas pessoas que têm até os finais de semana programados. Só pra botar todos os compromissos no bolso e fingir que não é comigo. Hoje é uma quinta-feira cinza e ventosa; é um dia que me vejo nos reflexos dos vidros das galeterias que os mendigos dormem na porta à espera das sobras e vejo meus cabelos sendo jogados pra lá e pra cá e acho isso bonito, mas depois, ao parar e ver um espelho, acho feio, porque tudo ficou desgrenhado. Hoje é um daqueles dias que eu sou a fome de viver na África. Que eu sou o abandono de Deus, que eu sou o próprio Deus, inconseqüente e tudo, com tudo, com tudinho que um Deus é, inclusive com todas as culpas de todas as mazelas que eu não tenho nada a ver. Hoje é um dia que as ambulâncias passam a toda ao meu lado e eu invejo o motorista e também quem está lá dentro, talvez em coma ou sem um braço ou com uma barra de ferro trespassada pelo corpo. Tenho inveja de qualquer pessoa que tenha um objetivo na vida, nem que seja por cinco minutos - nem que seja só ter um ataque cardíaco no meio da multidão e cair morto. Porque é só por isso que sou o sofrimento do Planeta nesta quinta-feira: porque não me dou bem com as coisas que estabeleço como objetivos pra mim. Porque a única coisa que eu sei fazer é postergar, protelar, aditar, procrastinar e me foder. Porque a única coisa que eu sei, caralhinho, é ser passado pra trás por mim mesmo. Só sei ser olvidado pela minha própria inteligência, que se disfarça de acefalismo e tapa meus olhos e caga na minha cabeça. Essa burrice que mete um garrote na minha capacidade cognitiva, que sufoca toda a capacidade que eu tenho de me expressar, de escarrar todo o câncer que me faz mal e me sufoca; toda a capacidade de articular pra mim mesmo e encontrar o erro, encontrar onde sempre está o mesmo erro de sempre - eu sou essa cobra mordendo o rabo e lambendo o próprio cu, só pra sentir o gosto do fracasso que escorre dele feito chorume. Sabe, hoje é só uma quinta-feira, já são duas tarde e tudo o que eu sei é que nunca chegarei a conclusão alguma sobre isso tudo. Ou, quiçá, consiga somente nos meus derradeiros suspiros no meu leito de morte. Se é que vai sobrar algum suspiro pra poder ter algum pensamento. Porque, sei lá, uma dundum na cabeça talvez seja o que me espera. Porque, se for isso o que me espera, isso partirá, espero, de mim mesmo. E não sobrará mais meio pensamento pra me angustiar, pra me pôr tão pra baixo que a lama tem que pegar um elevador pra me alcançar. Porque eu cansei de ver um céu cinza e expectativas natimortas através das minhas lágrimas e confundi-las com diamantes que caem do céu.
26/04/2012 - 18h50m
Hot Water Music - Seein' Diamonds