Goshen
Vocês costumavam dizer que eu sorria pouco, cobravam meu sorriso como se não tivesse sido vocês que o roubaram.
Vocês nem imaginam quantas vezes quis estrangulá-los quando diziam que me amavam. Que se importavam. Enquanto assistiam minha morte progressiva, escancarada e eminente. Enquanto me davam a mão com dedos apontados para meus olhos. E eu podia ver, sem esforço nenhum, gotas de sangue meu em seus caninos quando sorriam.
Sangue sugas do próprio sangue. Sangue sugas consanguíneos.
Ah, mas vocês não podem mensurar o quanto chorei sem ombro amigo, sem porra nenhuma. O quanto quis alguém mesmo que surdo cego e mudo pra dividir um pôr do sol ou, que seja, uma garrafa de cerveja. O quanto implorei ao diabo que me levasse daqui. O quanto praguejei e amaldiçoei quem me pôs aqui. O quanto quis não sentir. O quanto desejei o desconhecido, simplesmente por odiar tudo que conheci até agora, em todos esses anos e lugares. É, vocês nunca vão conseguir imaginar. Já eu, senti na pele.
Senti na pele o que é ter um peito inteiro cheio de amor sendo ocupado pelo ódio. O que é ter os braços cortados à cada tentativa de erguer bandeira branca. E a mente corrompida a ponto de querer puxar o gatilho com o braço erguido em direção à cabeça de alguém pelo menos umas trinta vezes por dia.
E eu só consigo sentir raiva de mim, por ter permanecido por perto por tanto tempo. Odiando a minha inútil postergação da desistência. A minha inútil resistência.
Hoje vocês são felizes sem mim.
Bom saber que meu sangue serviu pra alguma coisa.
Mas vocês nem imaginam,
Ah, vocês nem imaginam...
Goshen - Beirut