Monólogo de quem não foi (ou Do estado de latência)
Há algum tempo me perdi. Ou será que me encontrei?
Não me recordo em que momento, em que altura, qual a curva ou o atalho.
Enfim, sou a colcha de retalhos do que já fui. Do que me tornei, manto sob o qual me construí. Me vi em latência, um estado de potência em que poderia ser... o que eu quisesse. Quem eu quisesse. Em que poderia ser alguém, talvez.
Virtudes e vícios se confundiram e a sombra do que podia me tornar ao longe se esqueceu. Se foi? Será? Já não sei, já tanto faz. Já não é ou fui, sei lá.
Não consigo me livrar dos vícios, das cicatrizes, das feridas, do mau humor. Não consigo me curar da tosse ou do egocentrismo. As palavras doem, doem muito. Eu que nunca me meti em brigas de contornos físicos, acho que algumas palavras doem mais do que tapas, do que navalhas. Abandono meus projetos, por acreditar neles demais. O suficiente para não querer maculá-los com a presença negativa. O carinho é inquestionável, a vontade, as mãos que mudas falam “nunca mais” são as que aprenderam a cultivar.
As palavras feriram o ar, o mar e o navegante se desfez. Atirou-se a amar o que não foi. Quem não se tornou, quem não chegou a ser. Um estado de latência inebriante em que as lágrimas fazem a vez quando penso.., bem, já não lembro tão bem, mas parecia que eu seguia bem. Parecia mesmo que eu ia bem. Foi naquele mar que me perdi ou será que foi então que me encontrei? Tenho medo das respostas, porém maior, bem maior, é o meu medo das perguntas.