::: Guilherme :::

Somente disso me lembro. De seu nome: Guilherme. E já faz tanto tempo, pouco mais de doze anos. Doze, e como posso realmente me lembrar com tanta frequencia? Ele é uma boa lembrança, um esboço não identificado, uma memória que insiste em me rodear. Como uma criança de sete anos poderia guardar tão bem um sentimento assim?

Só queria compreender o porque de não me lembrar dele, de sua feição, de seu rosto. Lembro-me apenas de como era bom estar em sua companhia e como nos divertíamos a tarde, brincando de inventar histórias. Diziam que nos casaríamos, tamanha era nossa cumplicidade que se moldou em apenas um ano. Gui-lher-me, onde você está agora?

Foi uma época fantástica e ele era meu melhor amigo. Hoje consigo entender o porque de ele ter passado tão rápido pela minha vida. Era meu anjo, é meu anjo e eu o vi. Mas não me lembro de como era. Anjos são mesmo espertos, se mostram a nós e depois somem feito fumaça apagando de nossa memória aquilo que não precisa ser lembrado. Só deixam o que a alma pode sentir.

Era manhã quando ele apareceu todo tristonho, de cabeça raspada. Me contou que tinha cancer, mas o que é isso para uma criança? Eu também não sabia. Ele disse que estava doente, doente pra todo o sempre. Foi o que ele disse. Não entendi.

Recordo-me que sempre tinha medo quando ele faltava. Um dia, dois dias, será que ele não viria? Abri um sorriso gigante quando fui beber água e o vi entrando pelo corredor, sorriu também e veio em minha direção. Mas o que é isso? Ele carregava uma bolsinha pendurada, só depois fui entender o que era. Uma sonda. Cancer de bexiga. Peguei em sua mão, sua boca era trêmula e branca. Ele suspirou e sorriu.

_Tudo vai ficar bem. - Falei.

_Vamos apostar uma corrida?

Já tinha dificuldade em respirar. Perdia o folego com facilidade, mas não o sorriso. Eu, naquele inocencia de criança, o amei. Amigo, irmão, anjo.

Hoje restam apenas uma lembrança insistente. Sonhos e algumas inspirações. Quem sabe se eu pudesse ver uma foto dele, uma só, eu poderia me recordar e tudo faria sentido. Perderia todos esses medos, essas angustias, esses limites. Paranóias.

Dois dias, três dias e cadê ele? Não vem mais. E o que eu mais temia aconteceu, meu amigo, meu grande amigo não viria mais. E tudo ficou triste, sem cor. Aquarela desbotada.

Ah, anjo anjo da minha vida. Como você seria se tivesse aqui ainda?

Ana Luisa Ricardo
Enviado por Ana Luisa Ricardo em 22/04/2012
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