A última rodada

Sinto-me como um jogador no final da noite, que apostou tudo, e restam-lhe poucas cartas. O baralho parece querer testar sua frieza e concentração. Há esperança, sempre há esperança para um apostador, mas ele já não sabe quanto tempo se manterá na partida. Sua aparência transparece força e vigor, seu espírito não teme a perda, algo lhe diz que vai ganhar, tudo parece perdido, sabe que depende das cartas que estão no baralho, porém elas ainda não vieram; manter-se calmo já parece um problema, os cigarros se acumulam no canto da mesa, mas nada ao seu redor parece perturbá-lo; conta e reconta mentalmente todas as cartas que já saíram, sabe que a combinação de três cartas fará dele um ganhador, mas precisa das três na sequência que imaginou, no entanto a primeira acaba de sair, então refaz as hipótese, calcula as chances – parece impossível.

O homem precisa arriscar-se, jogar todas as cartas, ainda que lhe pareça improvável. “Quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor”, já disse um grande poeta. Isolar-se, virar noites, ir ao limite de suas forças, ainda que não vença, o jogador não abandona a mesa, é preciso esperar até o último momento, acreditar que ainda há esperança.