Sertão da Alma
No dia 03 (terça-feira) deste mês, faleceu minha avó de consideração. Ela se foi com mais de cem anos de idade; todos repletos de significado. Sentado no banco da igreja em seu velório fiquei pensando em que podemos nos apegar quando momentos assim chegam. E quando digo “momentos” não me refiro apenas a velórios, mas a todos aqueles momentos em que a alma se esvazia de significado e Deus parece ter ido para bem longe.
Na Bíblia esses momentos são representados pela figura do deserto. O deserto é lugar de secura e solidão. Não há nada nele. Não existem coisas externas para nos apegarmos no deserto, só areia. Você pode ter todo dinheiro do mundo, mas no deserto isso não significa nada. Essa figura pode não fazer sentido para nós, pois não habitamos desertos literais. No entanto, passamos por desertos existenciais. Pior que o deserto propriamente dito é o deserto da alma. Quando a terra do coração se torna em sertão, como disse o salmista: “Como a relva ressequida está o meu coração” (Salmo 102.4).
O sofrimento causado pelo deserto fica pior quando chega o sentimento de ausência. Ausência de forças, coisas, pessoas e principalmente, de Deus. “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonastes?” (Salmo 22.1); “Eu clamo de dia, mas não respondes; de noite, e não recebo alívio!” (Salmo 22.2); “Desperta, Senhor! Por que dormes? Levanta-te! Não nos rejeites para sempre. Por que escondes o teu rosto e esqueces o nosso sofrimento e a nossa aflição?” (Salmo 44.23); “Clamo a ti, Ó Deus, mas não me respondes” (Jó 30.20), esses são alguns lamentos registrados na Bíblia, que são também nossos lamentos, uma vez que não são poucos os momentos em que Deus parece estar longe e até mesmo não existir. E quando momentos assim chegam perguntamos: “que vantagem temos em orar a Deus?” (Jó 21.15).
Refletindo sobre tudo isso eu me lembrei de Jesus, mais especificamente de sua tentação no deserto. No capítulo 4 do evangelho escrito por Mateus nos é dito no versículo 1 que Jesus foi levado ao deserto. A Bíblia afirma que ele também passou pelo deserto. Ele também sentiu a ausência de Deus no deserto e também na cruz onde gritou “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonastes?” (Mateus 27.46). Mas Jesus atravessou o deserto e inclusive venceu todas as seduções de tentar preencher o lugar de Deus. Ele não nega sua fome (v.2), afinal, ele havia jejuado 40 dias e 40 noites. Quando o texto diz que Jesus teve fome, ele está afirmando que é natural ter necessidades, que na maioria das vezes são legitimas e urgentes. No deserto nós temos fome de companhia, de atenção, de sentido, de afirmação, aliás, temos infinitas necessidades que precisam ser atendidas. Mas apesar de sua necessidade Jesus diz que “nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Deuteronômio 8.3; Mateus 4.4). Com isso ele quis dizer que a vida é mais do que pão e do que nossos desertos.
“A resposta de Jesus é que precisamos do pão, mas mais do que do pão, precisamos da palavra que procede da boca de Deus”. Talvez alguém pense: “Ok, tudo isso é muito bonito, mas não resolve”. Eu sei que não resolve, porque embora saibamos que “o choro pode persistir uma noite, mas de manhã irrompe a alegria” (Salmo 30.5) pouco adianta o saber quando o arco-íris fica incolor e a noite parece não amanhecer nunca. Se assim é em que se apegar? No que sustentar a vida? Jesus responde: na confiança.
A confiança é o que dá sentido para a vida. Mesmo nos desertos onde parece não haver esperança e nem sombra de Deus, precisamos nEle ter fé. Em sua terrível história de sofrimento, Jó mantinha sua confiança em Deus. Ele confiava que Deus um dia se levantaria. E Jó confiantemente diz: “Eu sei que o meu Redentor vive, e que no fim se levantará sobre a terra” (Jó 19.25). Embora tudo pareça perdido, precisamos sempre confiar e ter esperança em Deus e orar como Davi orou: “Mas eu confio em ti, Senhor, e digo: ‘Tu és o meu Deus’” (Salmo 31.14), afinal de contas, nenhum deserto é tão vasto que não tenha fim e nenhuma noite é tão longa que não acabe.