CONTEMPLAÇÃO
Suntuoso mosteiro, no topo da montanha, galgando tantos degraus se galga para acessar a alma.
Sagrada quanto a veste do monge/Na célula carmelita, atrás das treliças franciscanas/ dentro dos homens. A abstração a poeira que emerge dos vales, obstruindo as serras, apagando o cinza do mar.
Dois santos trocam olhares apaixonados, dois operários a transpirar/ a lida na forja, o gosto do mel escorrendo pelos pés descalços.
O vento não tras qualquer mensagem/ deus não fala ao telefone, não da dicas de onde encontrá-lo.
Os santos são assassinados e vão para a vala comum/ seus ossos vão virar relíquia e cinza/ vão alimentar a fé e a desgraça dos fiéis.
O homem de semblante tácito dedilha as contas do rosário/ as décadas, os séculos, rotativos, destituídos de ampulheta e de folhinha, uma roda viva/deus o desaponta -Vai pescar teu peixe miudo, o da rede é para Manaus: o do puçá é pra tua fome, miserável! Duas traineiras surgirão/ passarão ao largo das barrancas. Santo não é para a luxúria, por isso os pés nus pisarão os espinhos, os seixos.
Luxo é excesso, luxúria é pecado, pecado é para os miseráveis. Deus fez milagre de peixe miúdo/ O pirarucu não é de deus: é das traineiras que levam o peixe graúdo para Manaus. Vai aí a contemplar/ os olhos ficam nas águas turvas e descerão junto ao peixe graúdo em direção a Manaus.