O PROGRESSO ME PARTIU AO MEIO

Depois de me servir de um almoço self-service, saborear a sobremesa paguei com cartão. A música ambiente relativamente baixa lembrava os cantos gregorianos entoados nos recônditos sombrios dos templos românicos. O progresso chegou e a maquininha (do cartão de crédito) foi um avanço dos mais esplendorosos que pouparam os consumidores de carregar pacotes de dinheiro e maços de cheques, e os comerciantes do escândalo de meter a mão em meu bolso como fizera o batedor de carteira que havia surrupiado meu iphone. O desgraçado me deixara sem opção de usufruir da tecnologia e de ouvir os cantos gregorianos que tanto fizera bem ao meu espírito, pelo menos nos tempos de seminário. Muitos templos modernizaram a cobrança do dízimo. Com o uso da maquininha acabaram com o gesto constrangedor de balançar a sacola e de presenciar alguns semblantes carrancudos.

O progresso se faz mais necessário após uma situação de depressão ou de estrangulamento ecônomico. Entretanto, é sempre indispensável, porém menos percebido quando a economia está estabilizada. A segunda guerra mundial trouxe notório progresso às nações europeias, sobretudo, porque foi lá que a guerra acentuou o estrago. Embora em outras partes o mundo tenha se percebido avanços.

Por cá, em terras brasileiras, o progresso ganhou outras configurações, embora os tupiniquins tenham sido obrigados a aprender a rezar a ladainha do Banco Mundial e do FMI.

Se o planeta impulsionou o progresso a partir do pós-guerra, o Brasil pegou carona e foi na rabeira do mesmo progresso. A década de cinquenta prometeu, com JK, resumir cinquenta anos em cinco, dando ênfase à industrialização e à tecnologia. Kubitscheck tentou modernizar o país ao implementar uma verdadeira onda de progresso. Em meio século as linhas telegráficas foram substituidas por internet, telefones celulares, modernas estações de radio e tv e o iphone. Os mais de oito milhões de quilômetros praticamente selvagens foram rasgados por artérias em que trafegavam automóveis montados aqui, impulsinados pelo mesmo sonhado progresso da maquininha e do iphone.

Cinquenta anos depois o mesmo sonho de progresso nas terras brasilis não permitem aos tupiniquins despertarem do pesadelo. As distâncias entre João Pessoa e a fronteira com o Peru, no Acre, não encurtaram. A famigerada Transamazônica é atualmente um imenso lamaçal. As artérias que conduziriam ao progresso, esburacadas, consomem os automóveis montados desde JK. O PETROLEONOSSO tranformou-se num assalto ao NOSSO bolso e o biodiesel não passou de uma propaganda frustada que apenas continua devastanado florestas e cerrados.

Apenas a maquininha continuou a fazer sucesso, levando meu cartão de crédito a me conduzir a um sonho e à bancarrota, enquanto os bancos engordam e se tornam obesos. Se quiser tenho que me e conformar com o iphone, agora adquirido num quiosque chinês, não para ouvir música gregoriana.

Joel de Sá
Enviado por Joel de Sá em 02/04/2012
Reeditado em 02/04/2012
Código do texto: T3590067
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.