Brisinha 14
O vento uiva nas janelas. As nuvens cinza tiram a cor de tudo. Só o meu cachecol vermelho parece destoar em meio ao preto e branco do outono brasileiro. O mundo é tão bonito assim, com o clima ameno, com cores a menos. Nossos olhos podem se fixar, não há nada dispersante na paisagem. Tanto faz olhar para o céu ou para o chão, o cinza é o mesmo. Respiro fundo e sopro o ar gelado, esperando ver uma nuvem que eu mesmo fiz, mas ainda não. Mais um mês, e então poderei sentir-me pleno, com todas as minhas blusas, cachecol, boina...
O inverno deve ser bonito aqui, onde o ar é mais puro e o vento brinca livre, longe de todos os arranha-céus. As velhinhas devem usar xale e casaco de tricô e as meninas, botas e meias-calças. Os senhores dão o ar de que sentem falta dos chapéus, mas, como eu, pode ser que arrisquem uma boina. Deve haver festas típicas, com bebidas fortes e quentes, música alta e trombadinhas em frente à igreja.
Mas, acima e melhor de tudo, dentro de um mês minhas mãos estarão gélidas e brancas, e o sangue me fugirá das faces, bem como da tua, Menina. E tua tez, já tão alva, ficará pálida e fria, pronta para se aquecer entre minha barba rala e falhada. Mas meu peito estará quente para te acolher num abraço e, numa tentativa vã, cobrir teu corpo e te aquecer por inteiro.
Passearemos juntos, entre as árvores dessa tua cidadezinha, que agora é minha, e teu sapato vermelho combinará com meu cachecol, e seremos dois pontos destoantes em meio ao cinza dessa cidade tipicamente azul. Iremos juntos sentar à noite, no teu quintal, para olhar as nossas estrelas, como fizemos no início de nossa história. E veremos o Centauro, o Cruzeiro, adivinharemos constelações e faremos outras, só nossas.
Tudo isso daqui um mês, quando o cinza tiver se firmado e pintado tudo de preto e branco, exceto meu cachecol e teus sapatos, e pudermos criar nossas próprias nuvens e constelações. Mas só daqui um mês.
William G. Sampaio [29/03/2012]