Consciência sem ciência nenhuma...
Por esses dias algo novo veio me visitar. Algo perturbador que batia incessantemente na porta do meu coração querendo entrar de qualquer jeito.
- Quem é? – Eu perguntei para a coisa.
- Como assim quem é? Eu sou você, a sua parte de dentro que você não vê quando se olha no espelho ou nos vidros dos carros. A parte de você que possui cicatrizes que suas maquiagens não conseguem esconder.
Antes de abrir meu coração e minha mente e meu corpo para aquilo, quis me informar melhor. Por uma frestinha consegui enxergar o que era. Vi uma criatura com os meus olhos e meus cabelos e com o meu corpo, porém totalmente repleto de feridas abertas e grandes cicatrizes.
- De onde você veio? E porque agora?
A coisa continuava batendo no meu peito. Dava murros e pontapés. Pegava distância e dava cabeçadas. Arranhava meu coração inóspito querendo entrar de qualquer jeito. Cansou, e finalmente disse:
“Eu sou sua consciência. Sou os óculos que você esperou por tanto tempo pra te curar dessa miopia existencial. Vim relativamente cedo, eu sei, mas vim no momento certo. Você não aguenta mais se enganar, não é mesmo? Não aguenta mais andar numa guerra travestida de festa, não é mesmo, querida? Me deixe entrar...”
Deixei. Assinei o acordo com o diabo que é enxergar as coisas com olhos nus e com a ausência de qualquer tipo de esperança ou crença ou positivismo. E agora é isso. Agora eu não consigo mais achar um jeito de não sentir nojo de como eu e todo o resto da humanidade simplesmente aceitamos a condição miserável que nos foi dada. Essa condição de simplesmente respirar, de viver em um expediente eterno. Sem folga, sem salário, sem fins de semana, sem férias. A vida é um eterno trabalho escravo onde nunca haverá recompensa alguma.
Deus? Pode ser até que ele exista, mas a certeza de que nós definitivamente não estamos entre suas prioridades veio junto com a tal da consciência.
Talvez a cegueira da alienação me privava de ver o mundo como ele é. Podre como ele é. Consequentemente me fazia feliz, ilusoriamente, mas ainda sim feliz. Já hoje é bem difícil.
Bem difícil quando ao ver qualquer carro na rua a vontade de manchar seu capô com meu sangue é quase incontrolável. E é o mesmo com os trilhos do metrô e com as escadas e com o último andar dos prédios e com o fundo das piscinas e com o atrito das cordas no pescoço e com o jorramento de sangue proveniente do belo encontro da lâmina com o pulso no chão do banheiro e com o cano de uma arma na boca e com vinte comprimidos tarjas preta e um copo de água as mãos...
É como se a cada miserável momento do dia a morte se travestisse de uma cama branca e confortável num quarto com uma janela grande e escancarada com vista para o mar e para coqueiros e bananeiras e pássaros e nuvens rosadas das 18h00. É só que às 18h00 tudo que eu tenho são algumas dezenas de sovacos e cus suados provenientes da falta de higiene somada a um expediente debaixo do sol na estação Sé.
É incontrolável.
Você não muda, você apenas enxerga o que sempre foi, mas estava li escondidinho atrás das teorias de busca da felicidade.
O tempo por sua vez, acaba com essas teorias, através de frustrações diárias que culminam em câncer e mini-AVCs. Simples assim.
Não há mais esperança quando abrir os olhos de manhã passa a ter o mesmo efeito da aflição de cortar os cantos dos mesmos com uma folha de papel. Ou quando a dor de levantar o rabo da cama é como um terrível sessão de sexo anal proferido da pica do Kid Bengala à base de sal e areia e limão. Ou quando respirar tornou-se o mesmo que jogar uma garrafa pet de água de dois litros no nariz com um funil.
Dá pra entender?
Não, não dá. só dá pra sentir.