Paralelepípedos insatisfeitos numa rua tortinha
E o mundo carrega na barriga tantos motivos para não ser que acaba sendo. Num arco tão torto, tão desproporcional que magoa os que não entendem o motivo das coisas precisarem ser imperfeitas. Eu, como de praxe, vejo no reflexo das pupilas de muitos os frutos proíbidos. É uma chama que vai crescendo e só deixa uma fumacinha. Nós temos olhos de charuto - daqueles de cuba, dos melhores. Um gosto docinho percorre o olhar e bem no âmago existe algo que faz mal. É. Vem correndo por décadas, por milênios esse mal. Uma corda que é puxada pelas almas, pelo para-sempre que no seu fim possui a poeira estagnada nos céus. Eu sou poeira... Mas também sou céu. Mesmo que nublado, chuvoso, com relâmpago e o que tiver. Não me deixo apagar. Porque embaixo das unhas, dos cílios, de mim existe algo irrecuperável; uma vez que jogada ao vento, não há como tê-la de volta. Alma. Mesmo que imperfeita, defeituosa e avessa. Mesmo que minha. Não vou cortar defeitos porque existe alguém ou algo melhor. É tudo duplo. Quero que se apaixonem por mim quando levam em conta as imperfeições, os meus faz-de-conta, as irrealidades que fazem parte do cotidiano. E quero que alguém entenda que quando olho na janela, quando jogo minha atenção em algo é porque me fascina. Bobo, sei. Mas é. A rua mais tortinha, mais estreita é a mais viável de se seguir porque as mais largas têm mais carros e você pode ser atropelado fácil. E ninguém tem piedade.
Então eu me encosto na parede da minha rua, minha e só, assisto os paralelepípedos ficarem insatisfeitos com tudo e me perguntando o porquê de tudo isso. Afinal, eles são únicos. Não? Não. Somos nós.