Decepção
Duvidei da tua capacidade humana de me machucar. Afastei de mim mesmo aquele pensamento, próprio de pessoas que sabem amar com cuidado, que diz "é possível que isso aconteça" enquanto reza-se para que a possibilidade tenda a se anular, como tantas outras coisas na vida se anulam.
Eu duvidei da faca afiada que tinhas na mão esquerda, apenas porque é de minha natureza ficar cega de encanto pela mão direita que se estende, que me suplica e me procura. Eu sempre gostei tanto de ser procurada. Eu sempre estive nessa escuridão onde a tua mão tateava, procurando ajuda, ou consolo, ou um sorriso vago - que palavra nenhuma substitui. Talvez eu achasse que essa escuridão fosse me salvar um dia. Talvez eu tenha me julgado protegida porque ajudei, consolei e sorri. Mas você me machucou. A tua humanidade feriu, com um golpe inesperado, a minha. E estou desnorteada agora, como um prisioneiro que passou anos a fio trancado numa masmorra e, de repente, recebe a luz do sol nos olhos. - Você me machucou!
Encolhi-me pois, para longe da tua mão que tateia no escuro. A surpresa dói mais que o corte, a decepção comigo mesma - por não ter aprendido a amar com cuidado - parece doer mais que te ver de pé, com as mãos rubras de sangue. Foi por eu estar perto, que decidiste dirigir para mim teu impulso sádico e impiedoso? Foi por eu te ouvir que começaste a dizer mentiras? Foi o meu sorriso que aguçou tua vaidade? Por que é tão difícil hoje em dia responder à amizade com amizade?