O que não foi dito

Acho que nunca fomos amigos de verdade. Amigos se abrem, confessam os seus problemas e discutem suas soluções. Amizade requer intimidade e isto, infelizmente, nunca tivemos. Oportunidades não nos faltaram. Foram anos e anos de convívio. Faltou iniciativa. Iniciativa, creio eu, para a quebra de tabus e paradigmas característicos de relacionamentos como o nosso. Mesmo assim, algumas poucas vezes me arrisquei convidando-o para bebermos algo juntos. Lembra-se? Você nunca soube como lidar com tais convites. Por isto, me parece natural que não os tenha aceitado. Talvez você estivesse certo. Afinal de contas, se não tínhamos intimidade, do que falaríamos então? A que brindaríamos?

Quando nos deparamos com situações que nos forçaram a ficar a sós, como algumas vezes no trânsito ou aqueles passeios pela praia, nossas conversas nunca foram além dos temas das manchetes dos jornais. Às vezes, nós até tentávamos sair do lugar comum, mas aí, mais uma vez, a falta de intimidade nos trazia de volta aos assuntos triviais.

Você sempre fez questão de manter um certo distanciamento. Uma “margem de segurança”, imagino eu. Parecia que, para você, aquele era o seu devido papel diante de mim, e eu nunca soube como mudar este indefectível roteiro. Não é de se espantar, então, que eu pouco tenha sabido sobre os seus sentimentos. E você não imagina o quanto eu gostaria de tê-los escutado...

Você foi, também, muito rígido. Comigo, mas, sobretudo, consigo mesmo. Nunca o vi chorar e nem mesmo me lembro de tê-lo visto emocionar-se, com exceção ao seu último adeus ao seu irmão. E mesmo assim, foi uma emoção contida, daquelas que no máximo deixam os olhos marejados, enquanto os demais se derretiam em lágrimas.

Muitas vezes tive razão quando o contradisse. Mas entendo que era muito difícil para você, reconhecer e aceitar o aprendizado vindo de alguém a quem você se acostumou a ensinar.

Muito do que sou, devo a você. Pouco do que não sou, também. De tanto querer acertar, você também errou. De tanto se esforçar para que eu fosse o que você achava que seria melhor, você também me privou de ser eu mesmo. Você queria que eu fosse uma nova versão do seu mesmo modelo. E eu queria ser um lançamento.

Mas nunca duvidei do quanto você gostava e se orgulhava de mim. Isto estava, de algum modo, escondido em seu olhar. Também nunca lhe disse que, curiosamente, todos os seus melhores amigos sempre fizeram questão de exaltar a intensidade do seu amor por mim. Parece-me que eles, na verdade, sabiam que, de você, eu nunca ouviria tal tipo de confissão. E por isso se preocuparam tanto em me contar.

Por favor, não pense que por conta destas e de outras, eu não o ame e nem me orgulhe de você. Muito pelo contrário. Sei que você fez o melhor que pôde. Que fez tudo que esteve ao seu alcance. Você moldou o meu caráter e sei que é exatamente por conta dele que, hoje, existem pessoas que gostam tanto de mim.

Enfim, queria ter tido a coragem de lhe dizer isto tudo a tempo, meu pai.

Leo Pimentel
Enviado por Leo Pimentel em 06/03/2012
Reeditado em 25/04/2016
Código do texto: T3538027
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