Efeitos colaterais de uma semana desgraçada...
Frio na barriga, pontada na espinha.
Olhos marejados e pés balançando freneticamente de um lado para o outro enquanto um cigarro qualquer queima entre meus dedos.
Estou sem roupa, de joelhos em sua cama e apoiada na janela olhando para o céu. Ele me fita e constatações inesperadas surgem entre nós.
É um daqueles momentos em que me sinto prestes a presenciar/sentir mais uma enrabada da vida. Enrabada essa feita sem dó, sem massagem e nem um pingo de sentimento nessa orgia escrota que é a existência; quanto mais dinheiro você tem, mais rabo alheio você fode. E porra, se acontecesse, essa seria uma das piores.
Silêncio.
Somos peixes mortos num mar de palavras a serem ditas.
Eu: "O céu está estrelado como nunca"
Ele: "É, e amanhã vai fazer um calor de cair o rabo"
Mergulhamos no tal mar novamente.
Enquanto ele se vira de costas para mim, indo dormir, penso mais uma vez sobre o ponto assustador a que a improbabilidade dos fatos da minha vida chegou: nós, juntos. E nós juntos porque queremos estar e continuar assim. Sinto medo às vezes, confesso. Pois assim como razões desconhecidas e fatos inesperados nos uniram, porque um desses não nos separaria também?
Tento não pensar assim, mas não consigo. Tento pensar "positivo", mas desisto. Ele também, e mais intensamente ainda. É que fica difícil quando a gente se fode para ir trabalhar passando mais de duas horas no trânsito debaixo do calor infernal de São Paulo em algum ônibus/metrô/trem que sempre tem mais de vinte e cinco por cento de chance de quebrar na metade do caminho. Fica complicado quando ao chegar no trabalho uma montanha de problemas dez vezes maior do que você é jogadas nas suas costas. Mais difícil na volta pra casa, que é algumas vezes pior que o processo de ida e assim vai.
Tudo muito ruim, nós sabemos, mas se perde de fato a esperança ao perceber que o momento realmente mais desconfortável de um dia é quando deitamos numa cama ao final dele e não achamos sentido pra nada do que foi feito nas horas anteriores. Isso sim é perturbador.
Ô vida.
Suponho que nosso problema com a felicidade deriva de não nos contentarmos em viver uma vida nos enganando para poder sorrir.
A gente merece mais, não por mérito algum, mas simplesmente por não merecer tão pouco.
A pontada na espinha some, o frio na barriga ameniza a minha cabeça quente, equilibrando novamente a temperatura dos meus sentimentos.
Os olhos marejados finalmente se transformam em um pranto relativamente ambíguo: desespero e felicidade; medo e amor. Relativamente porque, pelo menos pra mim, por mais diferentes que esses se pareçam entre si, um necessariamente precisa do outro pra existir em tempos que a felicidade se resume no resultado do desespero que a ilusão de precisar ter algo ou alguém que nos faça bem insita.
Não deixo ele me ver chorar para não pensar que tem algo a ver com isto. Quando na verdade é a falta dele que poderia ter algo a ver com essas lágrimas.
Meu egoísmo me consome, acabando comigo. Ao mesmo tempo em que por amá-lo tanto não quero mais que ele sofra, concordando com ele quase sempre após ouvir seus motivos incontestáveis de desejo de suicídio, o quero sofrendo/vivendo comigo.
Pois se existe algum momento em que eu não choro, é por ele ainda respirar, e respirar ao meu lado.
E nós vamos dormir, sabendo que somos só isso: um monte de mimimis típicos de uma quarta-feira.