DESCONSTRUÇÃO

Ao vislumbrar a história da humanidade, percebo quão penoso foi ao bicho homem o trabalho de compor sua identidade, ainda hoje incompleta.

Imagino o labor de Sócrates, o filósofo, no nobre ofício de parir ideias. Sim, porque cria ele, que as ideias já nos eram parte integrante, desde a Criação. Como seres inteligentes éramos capazes de elaborar os próprios pensamentos. A ele cabia somente apontar o caminho a seus discípulos.

Não foi fácil para o pensador grego descobrir que a chamada Natureza Humana ia muito além da physis grega. Embora fôssemos parte integrante da natureza, nossa Natureza falava alto, porque portávamos em nós algo intrínseco, único e distinto de toda composição da physis.

De fato o investigador da psiqué, pai da ciência da alma, foi o verdadeiro desbravador do imenso potencial gravado no íntimo do ser pensante, sua capacidade de reinvenção e construção.

Nos atuais tempos, entretanto, o fabuloso trabalho de Sócrates parece cair por terra, pois o bicho homem, parece, por livre e espontânea vontade, desejar a própria ruína no que tange à construção de sua identidade, ainda indefinida, porque, como diziam os estoicos, a alma é tal qual uma folha em branco, pronta para a escrita.

Mas a razão humana, parece desejar escrever histórias repetidas, viciadas e emaranhadas, onde os anseios não vão além da fugacidade dos prazeres trazidos pela ilusão que alguns milhões presentes na conta bancária possam ofertar, ou ainda, na valorização de alguns seres iconizados, guindados ao patamar de heróis e gênios da arte, simplesmente por escreverem e cantarem meia dúzia de palavras, incentivando o congelamento total e a perda de autonomia do pensar humano.

Sinceramente, a realidade nua e crua é a irreal condição humana, capaz de enxergar a vida de maneira tão desfocada, verdadeiramente miope.

Hoje libertinagem é confundida com alegria e apelo sexual é confundido com normalidade.

Posso ser eu o miope ou o puritano, mas ainda estou pensando e pretendo continuar a exercitar o único bem irrestrito do ser chamado Homem, aquele que se distingue no Reino Animal, por ser capaz de raciocinar, recriar, reinventar, transformar a realidade, que no momento é regida pelo completo e profundo sono do absurdo e da impertinência.

O que Sócrates, o herói verdadeiro, construiu, o anti - herói, que hoje conduz o mundo, impiedosamente, desconstrói.

Marcello Santos
Enviado por Marcello Santos em 07/02/2012
Código do texto: T3485612
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