Sobre realizações

Falam em felicidade e sentem o desespero. É fácil mascarar a agonia, da mesma forma que é fácil escrever um livro de auto-ajuda, corrente de Internet ou um para-choque de caminhão. Falam em fé, ambição, esperança, luta, tempo e de buscas. Qual o erro crucial nisso? O simples fato de que todas essas coisas estão sempre relacionadas à satisfação futura (não quero falar de felicidade, mesmo porque ela é apenas um sentimento volátil como qualquer outro, seria complicado demais discutir isso aqui), o que indica uma realidade simples: Estamos na merda. Ninguém tem mais saco para dizer "minha vida é maravilhosa" e muito menos tem saco para ler isso em um livro de auto-ajuda, e com razão, se a vida estivesse boa não seriam necessários esses livros.

Outro dia pesquisei "motivação" na Internet e vos digo: ou meu coração era mesmo feito de titânio, ou eu estava frente-a-frente com o material mais piegas e superficial do Universo. Este incluía:

- Teorias de administração de como f*der o traseiro de seus clientes e funcionários de forma que eles continuem felizes (bem, desde Maquiavel todas as teorias de administração ou mesmo liderança em geral se resumiam a isso. O resto é Sun Tzu, que sabiamente preferia f*der só com seus inimigos);

- Histórias ao padrão Joseph Climber, onde pegam uma pessoa entre milhões e dizem que essa tal pessoa começou numa família pobre, que ela tinha perdido dois braços, uma perna, visão, audição, tinha uma doença inata terrível e tinha ganho dois tumores no serviço, mas no final, depois de anos e anos de esforço ininterrupto, descobriu as propriedades alquímicas do papel higiênico, trabalhou no Google, ganhou três Nobels, foi presidente dos EUA e hoje dá aulas de motivação na Lua... A única coisa que penso quando eu vejo esse tipo de história motivadora é "Hum. Bom pra ele..." Sério, não entendo como esse tipo de história motiva alguém, sendo que nem o herói nem a própria história explica por que ele se motivou tanto. Em último caso, essas histórias só servem para fazer 99% das pessoas, as quais estão a quilômetros das realizações desses heróis, se sintam mal. Bela motivação;

- E o mais típico, mensagenzinhas estilo "What a wonderful world", "respire as flores", "ame a Deus" ou "dê uma chance ao amor". Sinceramente acho que esse povo não tem senso empírico. Quer dizer, vemos essas frases piegas a cada esquina, se elas funcionassem, teoricamente as pessoas não precisariam de motivação, visto que podem ver isso EM TODO LUGAR!

Pois é, amigo(a), nem sei mais por que o mundo se impressiona com tanto suicídio por aí. Acho que se alguém realmente quisesse ajudar quem precisasse de motivação, poderia em primeiro lugar tentar ver o mundo de um ângulo mais frio, do ponto-de-vista do seu amigo desmotivado. O fato é que a geração pessimista/realista já tinha colocado em xeque o fato da vida ter de fato um sentido (visível, pelo menos) e o pessoal "alegrinho" simplesmente ignorou isso, ou chamou de "coisa feia" e aí sim ignorou, pior, o niilismo e a crítica foram praticamente riscados da cultura brasileira. Dois exemplos da nossa literatura:

- Primeiramente Machado de Assis, o grande escritor, 90% da população sequer sabe que tipo de história ele escreveu, sendo que o que se fala dele é da incriminação infundada de adultério de Bentinho sobre Capitu. Isso mesmo, o suposto maior mestre da literatura brasileira, segundo esses caras, não passaria de um novelista da Globo.

- E outro exemplo ainda mais claro mesmo que eu não ache tão irônico, Monteiro Lobato. Pergunto a você: qual foi a maior obra dele? "Sítio do Pica-pau Amarelo", acho que até os adultos vão me responder isso. Mas por que essa visão? Simples, por terem sido infantis, foram também as obras dele que menos impunham sua tese de que brasileiro é tudo caipira. Porque é feio falar que brasileiro é caipira e lá vem a mamãe politicamente correta e blablabla...

Enfim, juro que queria saber como motivar uma pessoa, eu não sei. Mas acho que o primeiro passo seria ver pelos olhos dela, destilar a vida a fim de pensar em sua possível lógica, ao invés de simplesmente tentar impor valores por "frasezinhas" e "exemplos de vida". Nem por uma questão de análise crítica, mas por humildade e questão de respeito, pois não é dever de ninguém ter certeza de que as nuvens são feitas de algodão-doce. Termino aqui.

Dom Jurumela
Enviado por Dom Jurumela em 07/02/2012
Reeditado em 16/03/2012
Código do texto: T3485591