Fabiano Honorato (Ou “Brincando de advocatus diaboli”)
O ser humano, como a criatura inerentemente maligna que é, é propendente a zombar de seus próprios companheiros de espécie seja lá por que razão – seja uma deformidade física ou até mesmo divergências mentais, sempre um pobre-diabo será motivo de chacota simplesmente por vir ao mundo como veio, sem pedi-lo, amaldiçoado com a agonia de não pertencer a um molde. E eu mesmo não sou exceção, antes que seja chamado de hipócrita por criticar algo que eu próprio admito fazer – peço aos neófitos em cultura da Internet, porém, que sigam lendo este texto com atenção para que recebam uma aula sobre uma informação inútil.
Originalmente concebida como um receptáculo de ideias de pessoas de todos os backgrounds do mundo, a Internet acabou por se tornar um freakshow do século XXI por permitir que qualquer um (mesmo aqueles que não deviam fazê-lo) se manifeste publicamente. O que acaba resultando em pessoas de pontos de vista um tanto quanto inconvencionais bancando verdadeiros bobos da corte inadvertidamente e atraindo gargalhadas de um público irônico que acaba por sentir-se encorajado a atacá-los de modos mais diretos. No linguajar da Internet estas pessoas são chamadas de “lolcows”, i.e., pessoas cujos comportamentos heterodoxos são geralmente atiçados a fim de obter-se divertimento.
Meu primeiro contato com uma destas assim chamadas “lolcows” foi com um nome mais do que bem conhecido: Fabiano Honorato. O pobre Fabiano, desde meados dos anos 2000, registrava seus plangentes apelos à Internet, exigindo “os objetos da Lola Bunny (aquela coelha do Looney Tunes)”, personagem fictício por quem nutria uma paixão romântica, exprimindo-se de modo deveras colorido – eu não acreditava naquilo que via e ouvia. Aquele homem, adulto, que nos dias atuais tem mais de 40 anos, se lastimando por um personagem de desenho animado! Não podia ser sério – mas constatei que sim, era muito sério, na mente daquele infeliz.
A partir daí, comecei a acompanhar assiduamente os vídeos do homem; ao mesmo tempo em que o achava ridículo, no entanto, também simpatizava com sua situação. Quando dizia seus disparates sobre criaturas ficcionais ria dele – mas ouvia-o com toda a atenção que alguém daria a um gênio da oratória. Quando implorava em vão pelos objetos das supracitadas criaturas ria dele – mas quase sentia compaixão a ponto de querer mandar-lhe algo. Quando se divertia com algo ria dele – e com ele. Quando algo ou alguém era responsável por alguma decepção, e ele estava triste, ria dele – mas era simultaneamente tocado pela piedade. Inadvertidamente acabei me tornando um fã de Fabiano, e esperava por vídeos nos quais relatava suas aventuras e desventuras com avidez, tão somente para dele rir; ao mesmo tempo em que esperava que alguém lhe desse a ajuda psiquiátrica que merecia.
O fim da “carreira” de Fabiano não foi feliz, entretanto: após uma série de tristes conspirações por parte de seu irmão, os rumores dizem que ele acabou por ser internado num hospital psiquiátrico, e desde 2015 está ausente da Internet. Por mais que seus “admiradores” anseiem por um retorno, tal possibilidade se demonstra cada vez mais ínfima. E é aqui que desempenho o papel de advocatus diaboli só para me divertir. Fabiano, como já foi dito e como é perceptível por si só para aquele que o vê, sofre de um visível transtorno mental; sua capacidade de fala e discernimento são limitados, tem ele dificuldade de diferenciar realidade de fantasia e uma ingenuidade quase infantil. Sua personalidade incomum até pode ser uma fonte de entretenimento, mas por que deveríamos desejar-lhe o mal quando sua própria existência já é tão triste?
Ao se aproximar de uma lolcow, para que continuemos a nos divertir, podemos entrar em seu jogo e ocasionalmente atiçar algumas reações, mas no momento em que tramamos para que algo genuinamente ruim lhe aconteça todo o divertimento se perde. A Internet é um lugar negro que perde seu encanto a cada ano; que mal há em nos divertirmos com as excentricidades de alguém? Façamos aqui, porém, uma distinção entre “excêntrico” e “insano” – há pessoas urgentemente necessitadas de tratamento mental, e a Internet não é um lugar onde isto possa ser oferecido.
Por mais que eu sinta saudades das estripulias de Fabiano, ora implorando por um espaço na mídia, ora dizendo ter poderes telepáticos e multidimensionais para se comunicar com personagens de desenho animado, uma parte minha espera que ele atualmente esteja num lugar seguro, longe das mesmas pessoas que o fizeram “famoso” em primeiro lugar e que causaram um maior mal a seu estado mental já tão deteriorado.
(São Carlos, 15 de dezembro de 2022)