Ensaio sanguíneo

Sua esperança que me constrói, vagarosamente me destrói. Poderia seguir pelo caminho que sempre fui, pisando nas mesmas pedras e errando os mesmos erros. Aqueles de sempre, aonde a gente finge que se perde mas no fim é aonde se encontram as nossas maiores forças. Gostaria de continuar ouvindo sua voz, sentindo sua mão apertando a minha. Meus sentimentos, nem sei mais o que dizer sobre eles. Estão sempre guardados, intactos, lá no fundo, aonde ninguém mais além de mim consegue enxergar. (Devo dizer que, às vezes, nem eu mesma os encontro no meio de tanta bagunça.)

Me dizes que sou uma adolescente, e que não há de ser nada além de uma breve fase. Apesar de tudo, concordo. É uma fase, e cada ser humano na face da Terra, com suas perfeições e imperfeições, sentidos e a falta do mesmo, sabe o que é isso. Sabe o que é o confronto de quem você é e quem você quer ser. É quase como dois lobos, brigando pra conseguir a última gota de sangue que seu corpo guarda. É engraçado como andar na rua às vezes me remete a lugares que nunca nem se quer estive. Diga-se de passagem que, mesmo tendo minhas crenças, e independente das quais forem as suas, acredito que tudo que nos remete a algum lugar que sabemos que nunca estivemos, não nos liga necessariamente a um passado, terreno, espiritual ou interplanetário. Nos remete, sim, ao nosso futuro. Quando você anda e se sente andando em algum lugar do mundo, incluindo a sensação do aroma do lugar e tudo que ele guarda, creio que nada estamos além de projetando, debaixo de nossos pés, ao nosso próprio futuro e aonde, em poucos anos, estaremos. Se você olhar fixamente por alguns segundos para a porta do quarto aonde se encontra nesse momento, e logo após cerrar seus olhos, podes imaginar com clareza alguém que você ainda não conheceu ou sente saudades, entrando por essa mesma porta, deixando, em primeira mão, a imagem superior de sua cabeça avançar para dentro de seu quarto, com os olhos arregalados, como aqueles que a gente faz quando está fazendo alguma surpresa para alguém. Logo após, podes imaginar o sorriso dessa pessoa, entrando no quarto no mesmo tempo em que suas mãos largam a fria maçaneta de alumínio que ainda permanecia pressionada em direção ao chão - e assim, consecutivamente, dependendo de sua imaginação, o corpo dessa pessoa querida entra em seu quarto, transformando a noite calorosa e inquieta, aonde você não consegue sentir a paz plena invadindo a sua alma, em uma noite com uma brisa leve, que te transporte a algum lugar aonde um simples abraço poderia aquecer-te totalmente.

Porém, ao abrir seus olhos novamente, notarás que o vazio que sentia, antes de ter projetado aquela imagem que tão bem te fizera, será pequeno se comparado ao vazio que sentes agora. E é assim, que, para mim, funciona a saudade. A vida é como uma memória, que você vive pensando que não terá um final, porém, a vida, sempre insiste em prová-lo o contrário. A boa notícia é que, por sermos tão complexos, completos, podemos remeter tanto a nossa mente (em sonhos, que se sonha acordado ou dormindo), quanto o nosso corpo (através de lembranças físicas, reais, como um guardanapo usado ou uma xícara de café) para o lugar que tanto queremos, ao lado das pessoas que tornaram as, agora memórias, um dia, reais.

O outro lado da moeda diz, que, para imaginarmos alguém que fora embora há muito, voltando, precisamos apenas de uma simples porta de entrada, algo que nos conecte à nova e antiga, ao mesmo tempo, realidade, porém, para imaginarmos alguém que convive conosco por tempos e que por muitas vezes, desprezamos a presença mesmo que essa não seja constante, indo embora, nos toma tempo, coragem, e um certo nível de frieza. Imagine que, nesse momento, temos em nosso lar, em nossa casa, as pessoas que nos cercam (aqueles que reclamam de nossa roupa suja, de sua bagunça, que odeiam o fato de você se trancar num quarto sozinho ou com seus amigos e não sair de lá a não ser por vontade própria, que insistem em entrar no seu quarto pela manhã quando tudo clareia, apenas pra abrir as cortinas e deixar o sol entrar, pois acha que sua áurea está escura demais, mesmo que não admitam isso, que, procurando valorizar sua saúde, te privam de certos péssimos hábitos, ou que te recebem com um abraço após uma longa viagem, que fizera com seus amigos ou sozinho, à procura de algo que não sabes explicar, mas pensas que é liberdade, que te querem ver bem, grande, estático, fixo e ao mesmo tempo sonhador...) nos apoiando e nos reservando um certo tipo de segurança. Sendo nossa base ou possuindo-a por nós mesmos, são eles quem compõem o nosso conteúdo maior. Agora, imagina que nesse momento, vê uma dessas pessoas, que possuem seus traços sanguíneos ou não, saindo pelo portão, beijando seu rosto pela última vez, desejando-lhe boa sorte na vida e fazendo-lhe sentir que nunca mais irão cruzar seus olhares. Essa é a parte que nos é dolorosa, e nos exige coragem, mesmo sendo apenas em imaginação. Essa é a parte, que, para ser sustentada, é necessário um mundo - estrutura, esperança, fé no futuro e, principalmente, algo que ainda não possui definição em nenhum dos dicionários que compõem minha estante mas que combate as saudades. Não podemos ir ao médico por causa dela, muito menos podemos ignorá-la.

Luana Cuts
Enviado por Luana Cuts em 10/01/2012
Código do texto: T3432001