O seu tempo vale quanto dura
Hoje visitei um abrigo para crianças e adolescentes em Luziania, Goiás. Saí cedinho junto com outros dois amigos, atravessamos os limites do DF para encontrar o nosso destino em 2012. Um destino muito bem escolhido e discutido. Nada de obra do acaso não, porque destino é algo que se faz todos os dias com pequenas escolhas.
E eu escolhi atuar socialmente, mesmo sabendo que ser professora da rede pública de ensino, na periferia de Brasília, já é uma atuação social. Eu tenho consciência que meu trabalho é relevante, sem falsa modéstia. Mas, fazer bem o seu trabalho nada mais é que obrigação, mesmo que a remuneração recebida não seja adequada às responsabilidades da função que se ocupa.
O fato é que existe em nosso país um verdadeiro caos social. As ruas estão repletas de pessoas desempregadas, dependentes químicos, ex- presidiários, crianças em risco social. E o poder público, pelos motivos que todos sabemos, não dá conta dessa demanda. Somando-se à ineficiência do Estado, à corrupção política, à omissão dos ricos, ainda existe a cultura do assistencialismo, que por sua vez, produz outra cultura entre os assistidos, a cultura do comodismo.
Funciona mais ou menos assim, parte da classe média tenta aliviar sua consciência, despejando nas ruas, igrejas, favelas, abrigos e assentamentos um número sem fim de coisas que o consumismo desenfreado os fez levar para casa. Outra parte sai dando cestas básicas que se somam às cestas distribuídas pelos diversos programas sociais do governo federal e local. Conclusão, entre muitas famílias não existe mais motivação para ir à luta, batalhar o pão de cada dia. E, parece-me, existe uma relação entre esse comportamento social e a manutenção de um estado de miserabilidade no Brasil.
Eu não quero propor aqui que se coloque um fim na assistência social. Não. Existem pessoas que, verdadeiramente, precisam de ajuda. A minha proposta, ou melhor, reflexão, é que precisamos repensar a nossa forma de atuar socialmente.
Lá no abrigo que visitei e onde pretendo trabalhar este ano, ouvi o relato do diretor, um rapaz de uns trinta anos, que me deixou perplexa, segundo ele, o abrigo recebe um número elevado de doações de produtos de boa qualidade e, inclusive, alto luxo. Tênis importados, computadores de 5.000 reais, celulares de última geração. Tudo doado pelos “padrinhos” endinheirados, pessoas que adotaram crianças por um tempo provisório, com autorização judicial para levá-las para passear no fim de semana, para fazer uma viagem curta. E quando essas crianças retornam, vem carregadas de presentinhos que logo são vendidos por uma bagatela na primeira esquina entre o abrigo e a escola.
O diretor fez um comentário que ficou reverberando dentro da minha mente. “As pessoas estão terceirizando a solidariedade, transferindo para as coisas o afeto, agindo com essas crianças da mesma forma que lidam com seus filhos em casa. Essas crianças não precisam de coisas caras, elas precisam de afeto, de atenção.” E eu completo: elas precisam da doação de tempo. De alguém que tenha tempo para conversar, brincar, ensinar algo, corrigir, disciplinar.
Não só essas crianças, mas a maioria dos jovens e adultos que perambulam por aí, sem razão para viver. Todos eles necessitam de ressignificar a própria existência, redescobrir motivos para levantar da cama, do chão, da sarjeta, e seguir adiante.
Por isso, quando você estiver pensando em como efetivar sua solidariedade, lembre-se de acrescentar algo que possa dar autonomia a essas pessoas e inclua no pacote um pouco de seu tempo. Lembre-se, nesse caso, o lema “vale quanto pesa” não conta. Talvez melhor fosse: vale quanto dura.
Quanto mais tempo você investe no outro, mais ele se sente gente como a gente. Maiores as chances dele se sentir parte da sociedade novamente.