[O Estranho Anzol]
Desde cedo, aos meus cinco anos,
eu pressenti a sem-razão de tudo.
Para encerrar a minha questão,
tive toda a soltura da infância,
tive vários exemplos de partidas,
vi lágrimas logo serem enxugadas,
vi rosas morrerem nas tardes quentes,
vi cansaços matarem gentes e animais,
senti o fim da melodia na praça vazia...
E por fim, numa síntese de corte e de dor,
vi perecer o amor da vida inteira...
Ainda assim, eu perseverei no caminho,
mordi a isca inteira... e continuei vivo!
Estranho anzol esse, muito estranho!
Agora, sem outra razão que a curiosidade
de ver como vai ser, e até onde vai dar,
sendo livre para escapar do anzol,
eu, de olhos bem abertos,
vou continuar a curtir as mortes,
as poucas mortes que ainda me restam...
[Desterro, 26 de dezembro de 2011]