Talvez
Eu sempre tive a noção exata do que é ser uma cigarra - cantar quando o instante surgisse. Alegre ou triste, não importa mais. A impressão que tenho de mim mesmo é uma ideia falsa, cheia de devaneios, de enrolações, de sonhos não lembrados. De festa.
Talvez eu tenha mesmo nascido com a sina da tal cigarra. Inverno ou verão: farra.
Ou talvez eu nem sequer tenha uma sina.
Talvez eu me importe de verdade com os caminhos extravagantes que a vida me proporciona. Mas, eu, ainda que não tenha cigarrices no sangue, luto e luto ainda mais pra conseguir um pouco de arte. Faz bem pra tudo em nós. Quem faz arte vive mais e melhor. Quem falou isso foi o doutor. E eu fiquei bem feliz, porque a vida tem me dado oportunidades incríveis de conhecer pessoas incríveis - ou talvez eu não tenha ficado nada feliz.
Talvez eu seja mesmo um irmão das coisas fugidias, Cecília me entende e me compra mesmo assim. Talvez eu só precise desmoronar ou me edificar.
Tantos os talvezes na vida de quem faz arte. Mas eu fico feliz - e isso é certo.
Ou talvez eu só precise de umas boas oito horas de sono.
Quem disse isso foi o doutor.