Acuidade, amplitude, profundidade, transparência...
Eu e a molecada das fazendas vizinhas onde cresci brincávamos meio bugres e os ferimentos eram (mais) constantes nas mãos - por arame farpado, farpas de pau, imitativas artes guerreiras com facas surrupiadas dos domínios materno ou paterno, incipientes artes de escultura com canivetes mantidos escondidos do pai e da mãe - e nos pés - lacerados de subir em árvores e correr descalços sobre pedras pontiagudas e pedriscos quase redondinhos, e pelos lajedos pontilhados de cactáceas...
No meio da manhã já morna ou à tarde findante e ainda quente, uma dor acontecia, o sangue corria e um tempo depois, algumas dores (antes vermelhas) rosavam, empalideciam e supuravam. Aí buscávamos espinho de xique-xique - o filhote mais tenro da ninhada da coroa; delicadamente procedia-se a drenagem das células mortas, a ferida era lavada com raspa de casca de juazeiro e água de riacho ou cacimba, guardada no pote de olaria. Logo, logo, estávamos prontos para mais artes e correria, alegria e dor...
A natureza é perfeita: inteligente e coerente, contém suas próprias forças e defesas (mas não consegue conter o homem - e isso só deveria ser válido pelo aspecto salutar).
Poesia é espinho de cacto, agudo e limpo, sabão de juá, água boa... ferida exposta, cicatrizando e cicatrizante.
Poesia é perfeição.