Não entendo

Eu gostaria de entender o pensamento libertário desses jovens contemporâneos. Vejo muita gente falar de elevação do intelecto, falando dos movimentos sociais, da filosofia, de toda uma serie de expressões da natureza humana, mas tudo que vejo é uma hipervalorização das culturas que vieram de fora, de nações e culturas que entronizaram seus valores morais e etc em nações que seriam suas colonias e tal. Vejo brasileiros que se acham inferiores num âmbito onde não há como se criar um juízo de valores, vejo pessoas que querem valorizar mais uma arte, fruto de uma determinada cultura, fazendo um paralelo com outras culturas que se tornam legitimas apenas por terem surgido antes históricamente, ou pelo grau do desenvolvimento de suas tecnologias, mas sobretudo sobre o poder que ela exerce no cenário global. Não há possibilidade, segundo essa lógica, de uma personalidade, uma identidade cultural, de uma nação.

Dessa maneira seremos sempre inferiores à Europa, nossa filosofia sempre será inferior à grega, nossa literatura sempre será medíocre comparada à literatura francesa, quando na verdade o que há não é uma hierarquia, mas sim uma assimetria, não há um melhor ou um pior, há apenas um diferente. Não cabe um juízo de valores, porque não se pode comparar valor de cultura de uma cultura com o valor de outra, dizer que uma é mais legítima do que a outra ignorando contexto histórico, não se pode dizer que Hemingway é melhor do que Machado de Assis, são objetos de observação que diferem entre sí, não se pode avaliar com valores maniqueísta a capacidade de criar ou de pensar de um ser humano, dizer que tal bom e tal é mal.

Esse tipo de pensamento, enraizado numa cultura faz, com que as pessoas sigam um parâmetro de medição para coisas que são imensuráveis, cria preconceitos que chegam a um extremo de eugenia.

Não se pode dizer que o movimento da tropicalha foi menos do que o movimento beatnick, não se pode dizer que Caetano Veloso teve menos valor que Allen Ginsberg. Os valores que permeiam esse julgamento são demasiado arbitrarios, são demasiado subjetivos, envolve uma serie de critérios que não se submetem uns aos outros.

Dizer que nossa MPB é menos elaborada, dizer que nossos compositores são menos criativos ou menos artistas do que os precurssores do rock' n roll americano, isso é negar que um ser humano possa transpor a barreira daquilo que lhe é imposto à frente, são nações diferentes, surgiram em épocas diferentes e tiveram movimentos politico diferentes. O que seria da humanidade se os seres humanos acreditassem que há um valor mais elevado e um valor menos elevado no contexto da criação artística? Seria possíivel uma literatura realista naturalista, seria possível uma cultura diferente, uma outra perspectiva sobre qualquer coisa? Pois se há um juízo de valores a ser feito sobre esse tocante é necessário que haja um padrão de perfeição, não seria possível um rock americano ser acessível todos os seres humanos, pois somente quem compartilha daquela mesma elevação de espirito que o Rock exige seria capaz de compreender, seria capaz de criar. Uma MPB brasileira não seria digna de apreciação dos italianos, dos americanos, dos gregos etc, tudo porque não inventaram uma guitarra com over drive e coisas do tipo...

Essa cultura americanizada que se tem hoje como paradigma de boa arte é uma merda (digo isso apenas para uma parcela da minha geração que ainda se pauta principalmente pela vertente músical), quando se rebaixa a cultura de sua nação à uma outra, seja por quaisquer que sejam os motivos, está também se dizendo que como ser humano, influenciado pelo meio na sua formação de caráter, se é também inferior. Se minha nação, minha cultura, minha sociedade, minha família não foi capaz de criar algo semelhante ao que se tem no resto do globo, logo sou medíocre por natureza, mas minha geração não, somos todos especiais.

Assim sendo dane-se Machado de Assis, dane-se Yamandu Costa, dane-se a tropicalha e Caetano, foda-se Chico, pois tudo isso nada mais foi do que uma tentativa de uma nação inferior se igualar, culturalmente, á uma cultura que surgiu em outra época, em outro contexto histórico, com individuos completamente diferentes. A única coisa que importa é quem ditou os valores ideais pós gurra fria, quem desenvolveu mais sua tecnologia, não importa se os indios brasileiros tinham um ideia de sociedae igualitária antes Marx (claro que não é a mesma coisa, no entanto em qualquer aldeia indígena que se visite constata-se que a terra não é do pagé, é de toda a tribo), não interessa se o Brasil tem uma identidade cultural como nação, não importa se se tem até mesmo cemitérios (como o da consolação) onde se vê um encontro único entre arquiteturas e estéticas de toda a Europa.

Se o Brasil não tem um Martin Luter King, se o Brasil não tem um Jhon Lennon etc, dane-se, esqueçam-se as diretas já, dane-se Zumbi dos Palmares, dane-se todos os expoentes da cultura brasileira, porque eles vieram depois, porque eles não tiveram uma mente capaz de criar um "rock' n roll" (afinal no Brasil ninguém nunca ficou inconformado com sua situação), Ferrez é o caralho literatura de verdade é MASON & DIXON (livro best seller americano, 1º lugar na revista Times de 1997, livro lançado ao mesmo tempo que 'Fortaleza da Desilusão' de Ferrez).

A minha geraçãosinha exigente de conteúdo não percebe a hipocrisia em se valorizar mais uma cultura, aplicar um juízo de valores estéticos, herança de uma época em que não se falava de globalização, valorizar mais uma cultura dessa do que a sua própria, que assim como ele mesmo, procura se afirmar no mundo como um algo único, como algo dotado de uma identidade propria. Ninguém quer rótulos, mas que fique bem claro, rótulos que não sejam europeus.

Eu aqui, de me ulado, faço meu juízo de valores, não acho um cara que faz um segmento de música americana com perfeição melhor do que um músico que faz uma MPB com igual perfeição, não é possível se dizer, com base objetiva, que uma é mais elaborada ou seja o que for. Essas palavras não são para os fãns de Britney e derivados enlatados da industria cultural, é para as pessoas mais vivas, que falam de politica, que fala de revolução, que fala do niilismo inconsciente da juventude, para todos que estão inconformados com a situação atual e ficam com a boca aberta nas rodas intelctuais de boteco negando a si mesmo, a sua própria casa, sua própria nação, batendo no peito pra dizer pro mundo que sua arte é inferior à dos países ditos de primeiro mundo.

Todos temos direito de gostar daquilo que bem entendemos, mas menosprezar a capacidade de criar arte de um ser humano igual a qualquer outro, pelo simples fato de não estar em determinada nação e contexto histórico, isso é burrice.

No extremo da abstração esse tipo de pensamento gera todo o tipo de preconceito, faz uma acepção entre seres humanos que em si são iguais, mas que são incapazes de criar uma arte de indentidade própria, 'Rock é MELHOR que MPB" vai se fodê, sopa de letrinhas pra esse povo juvenil aí. O fato de se apreciar algo e não apreciar outro não implica que um seja pior ou melhor, mas aí também estou sendo óbvio, e já agora me arrependo de escrever essas palavras.