Esta é a vida de alguém!
Têm chegado ao meu mail mensagens de leitores partilhando algumas das suas experiências de vida, motivadas ou não sobre aquilo que aqui vão lendo. Sempre que possível, coloca-las-ei aqui no blog conjuntamente com o resultado da reflexão que me motivaram.
A Isabel (nome fictício) disse o seguinte:
"(...)
Há pouco quando lia o seu post (este), li-o de corrida, vi a imagem que escolheu, verdade que são tres cores que já fizeram muitas vezes parte das cores da roupa que vestia, mas que deixei de vestir, em face do peso que se foi abeirando e me obrigou a vestir tons bem mais escuros. Um dia destes posso ser avó, imagine-se :). Mas dizia eu, vi e li, objectivamente o texto. Depois saí do trabalho e no regresso para casa, pensei no que li. Tive um dia complicado de comunicação comigo própria, porque apenas comigo comunico verdadeiramente. Quando tento transpor a comunicação para com quem de facto gostava de comunicar, a porta esta fechada.
Bem, no regresso o seu post fez-me lembrar uma historia de amor/ciúme. E quem sabe até algum ódio à mistura (desgastes desnecessários que as pessoas menos seguras adoram provocar) .
Coisas sui generis que as palavras nos podem transmitir. A rivalidade da roupa nova com roupa velha e com mais pormenor, em certas mentes menos seguras a junção de roupas velhas em coordenações improváveis com roupas novas. Entenda-se claramente, roupas/ personagens. Permita-me o abuso de transpor as suas palavras para um universo tão dispar, mas fui capaz de ver um pedaço da minha vida, no seu post, lido nos olhos de quem não me conhece, como ser humano. Nunca me havia deparado com tal cenário. Há mulheres que se vangloriam com situações de natureza, de ciúme, eu de facto não. Acho a falta de segurança um péssimo cenário.
Misturo roupas velhas, com novas, sim, mas roupas, roupas, roupas. Não sou aburguesada, porque de facto não possuo rendimento para tal, mas se tivesse gostaria, sim. Mas não vivo preocupada pelo facto do limite do corte do subsidio de férias, me atingir por 100 euros, isso não é importante na minha vida.
Ou seja, depois de ler o seu post que achei bem dinamizador, acabo por o transpor para este mau ambiente que ocorre em mim, desde sábado, apenas e só porque a insegurança faz as pessoas evidenciarem o pior de si.
(...)
Os problemas de comunicação são a pior doença nos meus dias, fazem-me morrer todos os dias, um bocadinho. Os do armário da roupa, não valem nada, comparados aqueles.
O post esta bonito mas eu inevitavelmente coloquei nele, os meus dois ultimos dias e com tristeza, sabe? Mas nada posso fazer, quanto a isso.
(...)"
Em primeiro lugar, quero agradecer à Isabel por ter partilhado comigo um pouco do seu mundo. Foi preciso coragem para o fazer. Sim!, coragem. Porque o assumir que se está triste porque aconteceu algo que se interpretou como trágico ou porque a porta através da qual queremos comunicar está fechada é um ato corajoso.
Desde há algum tempo, parece que passou a ser vergonha estar triste; ninguém quer viver triste, enfrentar momentos de angústia ou melancolia. O lema é: vive rápido, vive alegre, sorri, sorri, sorri! Se tiveres problemas, desgostos, deixa lá isso e volta à crista da onda.
E assim se ostraciza a tristeza e a possibilidade de através dela, serenar e curar o espírito. Porque repudiar a tristeza é como varrer o lixo para debaixo do tapete: as mágoas permanecem no coração e, mais cedo ou mais tarde, obrigar-nos-ão a ajustar contas com elas; e quantas mais forem mais complicado será resolver a situação.
Dito isto, e porque uma coisa é assumirmos que estamos tristes e que precisamos de tempo e outra coisa é deixar-nos definhar num permanente charco de águas sombrias e, assim, mal-baratar a nossa potencialidade enquanto seres humanos, há que procurar dar a volta: não fugir da tristeza, mas supera-la.
O tempo será, porventura, o ingrediente mais importante para tratar qualquer tristeza pós-trauma. Mas há outros factores que igualmente contribuem para o reerguer do espírito. Aqui, o truque, o verdadeiro truque, será talvez o conhecer muito bem aquilo que somos e aquilo que queremos ser; conhecer o lugar onde estamos e aquele onde queremos chegar.
Esta introspeção, este analisar de nós através dos nossos olhos - sem contaminação de terceiros - é fundamental. Nunca seremos plenos se não formos congruentes com o nosso tecido íntimo e pessoal. Ser aquilo que é suposto, ou aquilo que os outros querem, poderá aliviar o stresse durante um segmento do caminho, mas o cansaço da carga extra revelar-se-á mais adiante, tornando cada passo um pouco mais penoso que o anterior.
Acredito, como já outras vezes o disse, que os problemas pessoais representam desafios que proporcionam a possibilidade de superação. Mas também sei que da palavra à prática vai uma grande distância e, quando nos descobrimos no epicentro de uma dificuldade, a verdade é que não gostamos: é desconfortável.
A Isabel evidencia um processo de consciencialização da sua realidade muito grande. Parece-me, contudo, que se espartilhou dentro de uma categoria que não lhe serve, simplesmente porque é inexistente. Ao associar a roupa velha a personagens velhos e, como tal, imprestáveis, insusceptíveis de ser apreciados, remeteu-se a um estado de inutilidade que não é compatível com quem vive. Enquanto vive, o propósito da sua vida permanece vivo em si.
E claro que tem o poder de fazer algo quanto a essa tristeza. Aliás, já o fez. A sua consciência da necessidade de a comunicar, fê-la procurar novas portas, novas formas de expressão - aqui, comigo, neste lugar -; e sabe? ao fazê-lo, inspirou-me a refletir e a pensar em novos caminhos e, agora, inspirará todos aqueles que lerem este post. Isto, não tenha dúvidas, é prova da grandiosidade que um simples gesto pode conter.
Isabel, permita-se a estar triste, a ser insegura, a ter desgostos, a sentir a humilhação de ver o seu amor ser rejeitado, mas depois, arregace as mangas e recupere o poder de procurar a forma de construir a sua mais íntima felicidade. Acredite, somente através desta, nos é possível dizer que vivemos com verdadeiro sentido.
E pense nisto: nunca será menor, pior, inútil ou incompetente só porque está insegura, triste e magoada; é igual a todos nós, porque todos somos humanos e habitamos no mesmo cenário.
Texto originário do blog da autora:
mundodasnoitesbrancas.blogspot. com