Chá de toda tarde.

Um caminhão vindo em sua direção com o farol alto lhe cegando. Essa é a sensação de acordar toda manhã: não saber ao certo qual rumo tomar, que velocidade ir, se vai ou não estar vivo durante os segundos posteriores. A estrada então, é melhor que ela escolha você. Seus critérios já não são confiáveis. Quebrou diversas vezes a cara no muro. E quebrará novamente. É a lei do universo, de Murphy, da puta que pariu. Você não controla quantas vezes e de quais maneiras vai se ferrar, mas vai. É uma verdade inviolável, um dogma preparando você para a fogueira inquisicionista. Para o julgamento dos (in)justos. É uma imensa heresia continuar vivo por fora e morto por dentro. Mas você não frequentou a catequese.

Tome tento, tenha modos. Quem mandou não usar o talher adequado? Agora vai ficar de castigo. E irão lhe punir. Com palavras dóceis que doerão mais que qualquer outra de baixo calão. Calarão você. Amordaçarão sua mente para que ela não grite suas idéias impuras. Mas deixe estar, agir como bom cordeirinho é o primeiro passo para fazer com que a ovelha negra dentro de si fique segura. Não era pra ser assim, tinha que ser sincero. Mas o mundo não merece a sinceridade, não tão já. Não estão preparados para uma mudança tão drástica em suas rotinas tão bem calculadas e vontades sempre prontamente saciadas. Estão satisfeitos com a cegueira lhes imposta, ou melhor, proposta. Aceitaram de bom grado a camuflagem das verdades nos meios de convivência. No fundo adoram fazer o social que dizem não aguentar mais. Hipocrisia no nome da comanda, por favor. Bajulação é o melhor presente a se dar aos anfitriões, aos filhos destes, aos convidados e ainda melhor é dar aos que assinam os cheques - nessa festa de insultos que visa inferiorizar quem é superior na alma e nos princípios.

O mundo nada mais é do que uma dama inglesa tomando chá toda tarde, como convenção social para mostrar a todos que está extremamente bem. Apesar do caos que a rodeia, ela nunca perde a pose e não olha ao lado quando passa um indigente. Às vezes até olha, mas vê apenas farrapos, e não o alguém por baixo deles.

E o chá que sobra no fundo da chícara, continua olhando e rindo para a cara das damas aristocratas.

Jéssica Valim Amâncio
Enviado por Jéssica Valim Amâncio em 27/11/2011
Código do texto: T3358561
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.