Porque somos humanos: os problemas.

Ai os problemas... os problemas...

Já decidi: vou lavrar uma escritura pública de aquisição dos meus. Assim terminarão os equívocos: eles saberão que me pertencem e eu saberei que deles sou proprietária.

Parece-me triste, mesmo trágico, ver um problema vaguear solitário, perdido, chutado por todos, renegado, humilhado pela paternidade incógnita. E esses espécimens, coitados, são mais do que muitos, são talvez quase todos.

O Estado bem fazia impor a obrigatoriedade de um registo pessoal de problemas; assim como faz para os carros. Criava a Conservatória do Registo de Problemas Pessoais e, pronto, acabava logo a anarquia em que eles vivem.

Anarquia e pura!

Qual de nós, posto perante o nascimento de um problema, não sacudiu já afoitamente a água do capote? O inocente que atire a primeira pedra. (Imobilidade silenciosa?! Pois, bem me parecia.)

É a mesma velha história de sempre: a responsabilidade é sempre do outro: da mulher ou do marido ou do namorado ou do vizinho ou do amigo conflituoso (e reles, pois claro!) ou do patrão ou do empregado ou do governo ou do buraco do ozono, ou de todos em simultâneo... E assim vai ficando o pobre bebé problema: abandonado, crescendo à sua sorte por ruas esconsas, sem regras, mal alimentado, e depois, quando damos por ele, já se transformou numa besta com punhos de aço prontos a fazer muitos estragos.

Imaginem como tudo seria diferente se, de repente, ser responsável por problemas fosse um sinal de dignidade; ou (já que o passeio se faz nos meandros da confabulação) fosse até um sinal de status - equivalente, sei lá, à propriedade de um Mercedes ou de um Jaguar.

Então é que seria fantástico: toda a gente andaria pelas ruas orgulhosa dos seus problemas; pensando: "É meu, sim senhor. Roi-te de inveja... sim! sim! muita inveja. Nunca terás um melhor do que o meu."

O verdadeiro problema é que os problemas são inconvenientes, desagradáveis, dão canseiras, chateiam e, muitas vezes, cheiram mal. E nunca, mesmo nunca, será apetecível assumir a responsabilidade por eles.

Mas ainda assim eu quero os meus ou, pelo menos, a minha culpa neles; porque acredito que conhecer plenamente o obstáculo no caminho será a única forma possível de eu o poder ultrapassar. Ignorando-o, passarei a ser eu a ultrapassada, a eternamente dominada problema ou pela vergonha da cobardia ou por ambos

E se me faltarem as forças e cair?

Pois... não será fácil, mas dúvidas não tenho de que novamente me levantarei.

Como dizia Nietzsche: "Aquilo que não me mata, só me fortalece."

Blog da autora:

mundodasnoitesbrancas.blogspot.com

olinda morgado
Enviado por olinda morgado em 26/11/2011
Reeditado em 26/11/2011
Código do texto: T3358320