[Paisagens Perdidas... e Eu]
Eu.
Nada.
Ninguém.
Nunca.
[O arraial é; o arraial está à margem do tempo]
O arraial, um deserto de pássaros cansados do voo.
Praia de rio, vazia, erma de doer o peito.
Rua do arraial, batida pelo vento.
O inverno do arraial é um assovio de lâmina afiada; corta...
Cemitério do arraial cravado de silêncios antigos.
Ninho caído depois da chuva, filhotes mortos.
Desespero de mãe pobre, o filho perdido para o azar.
Rua do arraial, velhos sem onde, fumam, fumam devagar...
Rua do arraial, venda pobre, cachaça morna.
Córrego do arraial, esperanças todas idas nas cheias de janeiro.
Igreja do arraial, vontade de ir para o céu que não existe.
Ninho caído... casa desfeita, filhas na zona.
Rua do arraial, e na tarde, burros cansados do eito.
Praia de rio, putas morenas me querem, mas zombam de mim.
Praia de rio, canoa que escapa de mim, e eu fico.
Rua do arraial, cachorro magro, e nas janelas, uns eus já desistidos.
Cemitério do arraial, vidas enterradas no nada, orgulhos vencidos.
Desespero de mãe pobre, filho sem futuro, filho-ninguém.
Na venda miserável do arraial, um certo filho bêbado, entregue...
E na paisagem do arraial,
de novo,
eu,
nada,
ninguém,
nunca.
Eu, para sempre calado,
por que
falar é inútil,
pensar é nada,
agir é nada,
historicamente, nada,
nada veio de quem pensa...
Mentira: tudo vem de quem pensa
e age, age sem esperança.
Mas age sem voltar ao arraial
onde estou agora, a pensar...
E de novo,
eu,
nada,
ninguém,
nunca.
Por que, afinal,
contradição é o meu nome,
para sempre,
ou só até amanhã,
pois sempre amanhece,
sempre...
Wittgenstein estava louco
ao semear dúvida em algo
tão certeiro: sim, amanhece...
Mas eu posso duvidar,
pois eu sou um físico,
e sou:
eu,
nada,
ninguém,
nunca.
E antes mim, nada;
depois de mim, nada.
Eu sou um perdido
na praia erma do rio,
e o vento leva o meu olhar
no crespo das águas turvas.
[Desterro, 17 de novembro de 2011]