Princípios

Momento para filosofar um pouco, pra ver se a mente para de se comportar como um computador atacado por vírus. Filosofar, como sempre, sobre a complexidade de viver, e dos sentimentos que isso envolve.

Em geral, as pessoas têm princípios. Isso faz com que a vida tenha sentido, pois não dá pra caminhar sem escolher uma direção. Bem, até dá, mas chega um momento em que falta um sentido para tantos passos. Enfim, quando se tem princípios, valores, coisas a serem protegidas, a ideia é tentar fazer tudo “certo”, de acordo com esses princípios. No entanto, ás vezes fazemos coisas que claramente fogem daquilo que pretendíamos. Nem sempre percebemos de cara, mas o fato é que certas situações se tornam insustentáveis depois de um tempo. Talvez quando coisas que antes faziam bem passam a fazer mal, ou simplesmente quando pensamos melhor sobre determinada situação. E aí, evidentemente, não podemos voltar atrás, mas continuar agindo como se estivesse tudo bem não soa como uma solução. Alguma coisa tem que mudar, é preciso encontrar alguma forma de se ajeitar com os princípios escolhidos para seguir. Dependendo do caso, princípios que se provaram errados podem ser mudados. Mas o ponto é que essas mudanças podem causar sofrimento.

Será que alguém já passou por esse mundo sem nunca ter ferido outra pessoa? Eu duvido muito. Muitas pessoas são preocupantemente sensíveis, e por motivos que normalmente se situam além da razão, colocam-se em situações de extrema vulnerabilidade. Não sei se é próprio da natureza humana ser um tanto masoquista, ou se é a determinação em busca de algo que faz com que os riscos sejam ignorados. Talvez seja só uma questão de não conseguir desistir de algo, mesmo que isso provavelmente vá causar dor. Há coisas que parecem importantes demais para serem abandonadas. Seja como for, o que é importante para uma pessoa dificilmente terá o mesmo grau de importância para outra, e os conflitos na intensidade dos sentimentos causam dor. Ser totalmente sincero quanto ao que se pode dar a alguém que espera outra coisa de você não é simples. Em muitos casos, é mais fácil agradar as pessoas com mentiras do que com verdades. E não, nem a pessoa mais flexível do mundo agradará a todos. E não acho que deva tentar.

Cada vez que escolhemos defender determinado argumento, ganharemos por “inimigos” aqueles que defendem o argumento contrário. Se por “verdade universal” entende-se algo com que todos no Universo concordem, me atrevo a dizer que não existe verdade universal. Dizem que há valores éticos comuns a todas as sociedades, e normalmente citam como primeiro exemplo a proteção à vida. Tudo bem, enquanto sociedades, acho que nenhuma defende que a vida não é preciosa. Ainda assim, há povos que sacrificam pessoas em prol de rituais, povos que se lançam em guerra contra outros povos, povos que se envolvem em genocídios, e por aí vai. E, saindo da ideia de sociedade, há pessoas que tiram suas próprias vidas, que tiram a vida de pessoas a quem deveriam proteger, ou que estão vivas mas preferiam morrer. Então, onde fica aquele bem supremo?

E nem dá pra dizer que o único consenso é que não é possível entrar em consenso, pois sempre haverá um idealista pra dizer que não é preciso concordar em tudo para chegar a um acordo, ou qualquer coisa assim. Mas a conciliação é difícil quando o próprio conceito de verdade exige que tudo aquilo que a contraria seja considerado mentira. E, via de regra, ninguém gosta de ter seus argumentos classificados como mentiras. As pessoas têm motivos para acreditar naquilo que definem por verdade, o que não significa necessariamente que estão certas, mas, no mínimo, significa que merecem algum respeito.

E, afinal, qual seria o grande problema em surgir de repente e resolver acreditar que a grama é roxa? No mínimo, uma dúzia de pessoas surgiria para me convencer de que a grama é verde, e outra dúzia viria dizer que estou louca. Ótimo, imagino que todos enxerguem a grama da mesma cor (exceto os daltônicos, pra ver que nada nesse mundo é tão simples assim), e talvez só por teimosia eu pudesse insistir que ela é roxa. No entanto, se eu estiver feliz pensando assim, e não fizer mal a ninguém, por que precisam vir me convencer de que aquilo que penso é uma mentira?

“Se eu estiver feliz pensando assim, e não fizer mal a ninguém...”. Há quem diga que o objetivo do ser humano nesse mundo é buscar ser feliz. Alguns acrescentam que essa felicidade deve se buscada sem prejudicar a felicidade dos outros. Bem, não me peçam para definir felicidade. Eu não faço ideia do que seja. Às vezes, felicidade é sair de casa num dia de sol e olhar para o céu azul. Às vezes, é passar uma tarde conversando sobre um assunto agradável. Às vezes, é uma utopia que parece só existir na imaginação dos poetas e nas linhas dos escritores. Às vezes não é nada, é só um ruído de fundo em meio a uma vida automática. E se eu perguntar a todas as pessoas do mundo, não sei se encontro duas respostas iguais. E se, no dia seguinte, repetir a pergunta a essas mesmas pessoas, talvez encontre ainda mais respostas diferentes. Coisas importantes raramente são fáceis de definir.

Mas viver buscando a felicidade soa um tanto egoísta. E se a ideia é ser feliz, então por que são criadas tantas regras e rotinas que tornam a vida estressante ou tediosa? O que se quer afinal? É difícil ser feliz sem contestar aquilo de que se discorda, mas há uma pressão para que não se discorde do que está preestabelecido. Preza-se que as pessoas tenham opinião própria, que saibam criticar, que não sejam “alienadas”, mas só se tolera isso até certo ponto. Não sei se as pessoas simplesmente não querem ter o trabalho de construir tudo de novo, ou se, convivendo com algo a vida toda, soa idiota dizer que esta forma de fazer as coisas está errada. Ora, se as pessoas estão sofrendo e a situação parece injusta, algo está errado. Não é nenhuma conclusão brilhante. E, sim, escrever algumas linhas sobre como o mundo está uma droga não vai ajudar em nada.

Disseram-me uma vez que saber que as coisas não vão bem é o primeiro passo. Inegável que é melhor que nem saber o que se passa, mas, mesmo assim, não sou tão otimista. Saber que as coisas não vão bem tem sido o primeiro passo para reclamar. Na real, as pessoas já reclamam quando tudo vai bem. O descontentamento humano é um poço sem fundo, um estômago que nunca é saciado. Buscar a felicidade suprema é um bom objetivo, pois durará a vida toda e nunca será plenamente alcançado. E por um motivo bem simples: a felicidade não teria o mesmo valor se não existisse a tristeza. Assim como a vida não teria o mesmo valor se não existisse a morte (basta ver como são retratados os deuses gregos e outros imortais ao longo da História). O mundo não é tão simples e dualista como pode parecer (quantas coisas existem entre o amor e o ódio, quantas cores existem entre o preto e o branco?), mas os opostos ainda existem por algum motivo. Como saberíamos o que é a luz se não houvesse escuridão? Temos aprendido a lidar com as coisas a partir da noção de contrários, e não podemos fazer o ‘certo’ se não existir o ‘errado’. Se nos fixamos em algo, corremos o risco de cair em estereótipos, em extremismos. Se não nos fixamos em nada, corremos o risco de perder o objetivo para viver. Ah, sim, os contrários são uma coisa maravilhosa. É como quando sabemos que, seja fazendo o “certo” ou o “errado”, vamos levar bronca de qualquer jeito. Não soa muito animador, claro. Mas o ponto é que mesmo assim vamos ter que escolher um dos lados, a partir dos critérios que definimos para nos nortear, e dos critérios que nos norteiam quer queiramos quer não.

Novamente, não sei se algo do que eu disse faz sentido. Aliás, esse é o problema de deixar a mente vagar enquanto as mãos correm as teclas do computador. O mundo é gigante, e assuntos aparentemente inofensivos de repente se mostram ligados a dilemas absurdos. E nós estamos perdidos no meio disso tudo. Alguns talvez não tão perdidos, decididos a fixar-se em algo que acreditam valer a pena. Outros continuam buscando esse algo. E outros talvez não se importem em viver com as constantes mudanças de opiniões e até de princípios.

O que nos faz quem somos? Nossas experiências? Nossos princípios? Nossas escolhas? Nossos sentimentos? Nossa aparência? Uma mistura disso tudo? Se mudarmos todos esses itens, continuaremos sendo nós mesmos? Se tirarmos todos esses itens, continuaremos sendo humanos? Vale a pena refletir sobre tudo isso ou é melhor apenas viver?

Sabe, no fundo, pouco importa se o que pensamos faz sentido ou não. Estamos vivos em um mundo confuso, e pensar sobre ele é o mínimo que podíamos saber. Não sei quantas boas ideias vieram de divagações insanas, mas poderia apostar que o número é elevado. Aliás, não sei muitas coisas. Sobre a maioria delas, só posso especular. Mas estou fazendo o possível para manter minha mente acordada. Para não esquecer quem sou no meio da multidão. E fico feliz se essas ideias insanas forem algo do que prova que eu ainda sou eu, mesmo quando tudo parece estar mudando, e nem sempre pra melhor. Não me importaria em descobrir que sou a única a pensar nessas loucuras, mas algo me diz que seria egoísmo demais esperar isso.

Louise
Enviado por Louise em 05/11/2011
Código do texto: T3318674
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