O Oftalmologista de Vidro

Fui com minha mãe ao oftalmologista

Numa clinica bonita, pomposa

Na verdade o que a levou ali, foi a esperança

De poder ter o melhor

Mesmo que tivesse que fazer alguns sacrifícios

Acompanhei cada momento e pude sentir

O tamanho do desconforto que a invadia, mas pudia entende-la

Sempre a ouvir dizer:

-Que a visão era o melhor que Deus nos deu

E a morte mais bem vinda que a falta dela

Fomos recebidas numa sala

Que me lembrou o interior de uma nave espacial

Porta de vidro, mesa de vidro, tudo tão arrumadinho...

Que pudia jurar que arrumaram tudo com uma régua na mão

Atrás da mesa um senhor descendente de japonês

Cabelo brilhando...e muito pretos apesar da idade

Nenhum sorriso no rosto

E um aperto de mão que fazia doer

Nos apresentamos com um bom dia

E depois que nos sentamos

Ele nos impediu de falar, cada vez que minha mãe tentava

Ele a interrompia dizendo:

- Você veio aqui só para se informar então escute.

Minha vontade era dizer a ele:

- Pelo preço que ela pagou pela consulta, você poderia pelo menos

escuta-la um pouco.

Bem no final da consulta, ouvimos umas frases feitas

Que ele devia dizer a todo mundo que aparecesse por ali

Com roupas simples e cara de pobre.

Digo isso, não que estivéssemos mal vestidas

Mas pela clientela que estava ali a espera

Dava pra ver que tudo aquilo estava além de nossas posses.

Ele dizia:

- Se você quer operar comigo, pode deixar

Vou te fazer feliz.

Eu tenho meu preço, mas para você...

Perguntamos o preço da cirurgia, mas isso era segredo de estado,rs

Ninguém fala do preço a não ser que você já esteja pronto para partir.

Ele disse:

- Isso é com a mocinha na sala de vidro no final do corredor.

Fomos nós...recebemos um papel com os exames que ela deveria fazer.

A mocinha da sala de vidro, mandou que pegássemos o elevador e falássemos com a outra moça no primeiro andar.

Que sorriu e pegou um pedaço de papel

Com os preços dele e da equipe, ele deu um desconto, disse ela

Tudo num precinho bem camarada; olhei o papel e fiquei espantada

Eram só nove mil e cem reais...e ela continuou dizendo:

Ele pode comprar as lentes para a senhora a preço de custo

Mas depois que a senhora fizer os exames

Haaa, esse é o preço de uma vista só.

Disse:

- Claro! Eu sei...depois pensei bem, nossa vista não tem preço

A essa altura eu não sabia se ria ou se corria dali.

Vi minha mãe com uma expressão triste no rosto dizer:

É só quem tem dinheiro merece ver depois de velho

Porque os médicos são assim ? Paguei o dinheiro com tanto gosto e ele nem me deixou falar.

Dava pra ver que ele sabia o quanto valia...mas não se importava

no quanto era importante para ela sua atenção.

Na verdade ela não se aborreceu com o preço que não podia pagar, apenas com a distância com que ele nos tratou.

Eu disse algumas palavras pra consolar e tentei faze-la sorrir...mas

Não deu, então pensei:

- Se pelo menos houvesse flores naquela mesa de vidro

A gente tinha saído dali com um colorido na mente

Se bem que pra quem tem catarata a vida fica meio sem cor.

Depois sentadas no ônibus, ela colocou a mão na bolsa

Tirou uma caneta que ganhamos lá na clínica e disse:

- Foi duzentos reais cada uma.

E demos muitas risadas.

Nica Oliveira
Enviado por Nica Oliveira em 01/11/2011
Reeditado em 02/11/2011
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