Viver a vida como uma criança, grande.
Viver a vida como uma criança, grande.
Como iniciante a materialista que sou não me é permitido acreditar em nada além do que é. Se tudo já é do jeito que é e não pode ser diferente, não tem porque desejar que seja. E a vida feliz, a vida sábia e alegre é essa mesma que vivemos, só que vivida de outro ponto de vista. Aquele que aceita ao invés de julgar, aquele que conhece ao invés de pré-determinar.
Sim, bem no estilo criança de ser. Aquela coisinha inocente que tudo tem a aprender e nada tem a julgar. A criança é destituída de moldes judiciosos, cabe a nós ensiná-las, e por isso mesmo é feliz. Dê uma laranja de plástico a uma criança e ela passará algumas horas brincando com ela, como se estivesse experimentando todas as possibilidades daquela experiência. E alguns adultos perguntariam, como já perguntei muitas vezes, “como pode ela se divertir com tão pouco?”. Hoje perguntaria de volta “como você não pode?”
Essa candura toda, infantil, que perdemos é a única coisa que deveria restar da infância. Pelo menos para uma vida melhor. A criança antes de qualquer coisa, olha para os lados, avalia, pergunta o porquê das coisas e é muito raro ela ser precipitada e julgar algo. Aliás, mesmo com tantos porquês é bem difícil ela julgar algo.
Deveríamos ser como crianças, grandes. Aquelas que não se contentam em julgar, porque antes tem tudo a aprender, conhecer e experimentar. Logicamente que com o tempo vamos ganhando a sensatez de saber-nos em nosso lugar e o que experimentar ou não. Mas quem duvidaria que com o passar dos anos vamos esquecendo totalmente essa capacidade de viver a vida que temos do jeito que podemos ao máximo? E o pior, todas as crianças estão aí para mostrar-nos essa faceta de nós mesmos.
E quantas vezes vemos adultos mais imersos em sua adultez que brigam com crianças por serem crianças? Por correrem, se machucarem, experimentarem, perguntarem. Paremos e perguntemos mais e mais! Mal não pode nos fazer, ou só pode nos fazer mal na medida em que temos medo de saber a resposta, assim como temos certo receio em contar para as crianças algumas verdades.
Verdades essas que se fossem contadas, talvez (nunca tive um filho), criassem adultos mais sagazes e menos medrosos, aqueles que ao invés de ficarem entristecidos com a chuva, saíssem para tomar um banho dela. Aqueles que ao invés de se chatear com 1000 canais da televisão paga, se contentariam com um só. Aqueles para qual a vida seria simples, divertida e prazerosa de viver.
Mas nos deixamos adultecer que por sinal é totalmente diferente de amadurecer. Seria muito mais uma petrificação do que uma sobreposição benéfica. É aquela pessoa que trava e fica estagnada e cada vez se acha mais certa na própria estagnação. É aquela que briga com uma criança por ser criança ao invés de aprender ou reaprender, em partes pelo menos, como levar uma vida boa, alegre e divertida.
Aprendamos a ser sérios e ao mesmo tempo nos divertir com nossa seriedade, o que levaria necessariamente a um pouco de descompromisso com própria seriedade, mas não vejo como ser de outro jeito. Um pouco de humor perante a imponderável dureza da vida...
É aquela alegria sem compromisso com a própria alegria. É a felicidade sem ser feliz, sem desejar ser feliz, enquanto se deseja ser feliz já não é. Quem nunca viveu aqueles momentos em que se esquecia de querer ser feliz e só era. Breves momentos que quando caídos em nossa mal vivencia se tornava um “desejo que isso continue” logo, então, terminava e o desejo de mais é inevitável.
Só se é feliz, nesses breves momentos para nós, voltando a ser criança, enquanto abdicamos de ser felizes, uma criança não deseja ser feliz, ela é. Ela brinca e não deseja brincar brincando. Só deseja brincar mais quando os pais a tiram de uma coisa para fazer outra, menos desejosa. Nesse momento elas ficam tristes, e cabe a nós não repetirmos o erro das crianças.
Não digo aqui que os infantes sejam pilares inabaláveis de felicidade, não o são e nunca serão, mas como crescemos temos como aprender, avaliando, o que elas têm de melhor e essa lição para mim é imponderável. Que crianças irritam, desobedecem, e por vezes nos dêem aquele prazer que temos só de vê-las, assim é e vai continuar sendo. Mas que, pelo menos, não desaprendamos a ser simples e felizes, sem querer sê-los de fato.
Nunca saímos da infância. Enquanto estamos nela de fato, quando crianças mesmo, e enquanto crescemos atrelados aos seus desdobramentos (Freud). Cabe a nós, adultos, sermos mais condizentes com essa realidade, que longe de ser um ponto de vista particular, é uma generalidade viva e aplicada a nossas vidas. Cabe a aceitar um pouco mais que somos assim e tentarmos melhorar, com bom humor, que petrificarmos-nos. Vocábulo esse mesmo que traz algo de ruim e pejorativo em sua essência. É essa essência mesma que cabe evitar, o que pode um vocábulo contra a realidade?
As crianças brincam, correm, se divertem com o mínimo. Triste realidade a nossa que as ensina a não se contentar com pouco, mas sempre mais. Quartos abarrotados de brinquedos uma só vez brincados e largados. Muitas fitas de videogame quando ela só joga um ou dois jogos. Crianças com celulares, apetrechos, mp3 players... Triste realidade que torna a infância mais uma possível consumidora. Segundo certo documentário que não me recordo agora tal, o marketing voltado às crianças tem uma premissa: “berre”! Quanto mais a criança berrar mais vai comprar, pelos pais. É a sociedade ensinando cada serzinho feliz a ser infeliz e berrar para ter.
Como adultos sensatos cabe a nós saber que esse desvirtuamento da própria inocência nos afasta da única lição que é imperativa na criança. Viver e viver só e alegremente. Viver só no sentido de viver somente e basta. Ninguém pode viver mais ou menos se já vive. A vida é a mesma, muda é a perspectiva. A criança está aí para nos provar isso. Ela não tem mais vida que os adultos, mas vive a mesma vida de forma diferente.
Cotidiano, estresses, orgulhos e sentimentos mil são aquelas coisas que vão deteriorando nossa parte criança, por quê? Porque temos o poder, certo poder, para não nos permitirmos ser mais crianças e achamos que ser adulto é isso. Cobrar, brigar, ter, fazer por onde (da pior forma). Basta alguém fazer algo descompromissado e alguém chegará dizendo “cresça! você é tão criança às vezes”. Ufa! Se ouvires isso, ou algo do tipo, sorria, dance e cante, você não está totalmente imerso no caminho petrificante. Mas como diz a propaganda da cerveja: Aprecie com moderação.