O diabo da inteligência!
Nunca deixei que extravasasse em mim quem sou
Nunca perdi o limite ou a paciência
Nem nunca provei o gosto de sangue do amor
Digo mais "não" que "sim"
Mas não digo com razão
E sou comedida, católica, sorriso amarelado, temente à Deus
Não sei o que é de fato a vida
Mas prefiro assim
Viver o morno dela
É melhor que congelar ou se queimar
Sim, meus braços já foram mais abertos
Mas não podiam proteger, afagar, ou acalentar
Agora eles estão cerrados
E o claro-escuro do mundo não quer mais me abraçar
A isso agradeço os arcanjos, anjos e a todos os santos de
todas as capelas, catedrais, igrejas, templos, o que quer que seja
Por terem feito o diabo da inteligência
E o demônio da consciência
Saírem de mim, foi difícil, sim, isso foi
Saí como peregrina, decidida a me redimir
Dos impulsos impuros, anseios insanos
Ou seja, das coisas que todo mundo gosta de fazer
Fui caminhando lenta
Batendo de igreja a igreja pedindo o perdão de Deus
Deus, tenha piedade! sei que pequei!
Mas ele parecia não me ouvir! E eu de tanto ouvir padre,
Coroinha, missa do galo, de sétimo dia, choro de viúva, de
Neném em batizado, achei graça e agora acho que é isso que é Deus!
Não varro a casa aos domingos e tenho um lindo altar
Flores úmidas, nada de música
E agradeço tanto a Deus
Por ter mandado embora
O diabo da inteligência - pensar é mau
E o demônio da consciência - pensar é ruim
Que vivo a sorrir com uns olhos tontos
E falo sobre os pregos
Sobre os parafusos
Falo sobre a parafina
Com as vizinhas ao pé do muro
E no fim de cada conversa
Penso no claro-escuro
Que não mais vem
Não quero existir! Digo a ele
Quero concordar com as leis divinas
Veja, são tão bonitas!
É só não pensar em nada, dizer "não" ao mundo
E "sim" ao padre, pastor, nem sei mais a quem ouço ou quem sou!
Sinto que estou quite com Deus
Menos quando penso
Por isso
Prefiro não pensar, e ir pro céu!
Tão bonito!
Céu!