Alzheimer
Quando sua voz já não falava e sua faca não mais cortava, ele sentou esperando o pôr-do-sol. Pôr-do-sol que sempre costumara ver com alguém, contudo, pela primeira vez em anos, não sentiu-se sozinho. A faca não mais cortava e a xícara já vazia perto da tinta descolorida que, entretanto, ainda pintava. O segredo guardado que guardava em sua garganta, e gritava a multidões esperando que ninguém os decifrasse.
Esqueceu de sua música, não sabia mais as letras, mas haviam pessoas que ajudaram-lhe a cantar novamente. Sua voz estremecia, o público esperava, espantados, a música esquecida. Sua mão esfriava e seu olho se fechava, e com o cair de sua lágrima, a música esquecida, mesmo esquecida por ele, a multidão cantava.
No nascer do sol, entretanto, era tudo diferente. Lucidez inteligente, atacava-o e jogava seu coração no chão, o deixando pra bater por ali mesmo. A faca cortava novamente, porém, sentindo-se sozinho, saiu pra caminhar. Percebeu que a tinta que era colorida não era capaz de pintar seu mundo. Lembrou a letra de sua música e cantarolava em alto e bom som a todos os ouvidos, porém, eram todos surdos. Ninguém podia ouvir. Não havia ninguém a cantar com ele.
''Você pode me ouvir? Você consegue entender agora por que as melhores idéias só chegam junto do entardecer? Deve ter algo com a escuridão que o ser humando ainda está a decifrar...''