Ao senhor da praia-
Eu estava em um dia daqueles que tudo de bom poderia não acontecer. Sentei-me frente ao mar de olhos fechados, me habituei a pensar que assim a tensão diminui. Até que uma voz desafinada, porém confiante me soou aos ouvidos. Abri meus olhos e custei a acreditar no que vi. Um senhor de uns 48 anos, barba grande, cabelos despenteados, de pés descalços e mãos calejadas, sentado na areia cantando. Ele mal tinha roupas, sua camisa com as mangas rasgadas e uma velha frase desbotada: "Human Rights" (Direitos Humanos). Ele poderia estar cantando qualquer música, mas aquela letra era a sintonia perfeita que nem eu mesma com tantos problemas a menos que ele lembraria de cantar. Ao reparar que lhe notei, ele sorrindo mexeu em sua sacolinha de plástico e pegou um litro, tomou dois goles e voltou a cantar. Pensei naquele instante que deveria ser mais um bêbado qualquer. Só não sabia como ele conseguia cantar tanto sem se quer errar a letra.Tornou-se a remexer sua sacola e pegou um pedaço de pão, que por sinal aparentava ter dias ali. Ele então,olhou em minha direção e fez um gesto de paz com as mãos. Olhei para trás para ter certeza de que era comigo, e parecia ser, pois a única amante de sua música ali no instante era eu. Me envolvi tanto naquele momento que nada mais me lembrava "o não poder", " o não conseguir", "o não ser"... Como podia aquele senhor tão sozinho, frágil, de pés descalços cantar e ainda representar com gestos, a paz?.
Aos poucos ele levantou-se,jogou um pedaço de pão para uma cachorrinha e seguiu cantando :
" Tudo, Tudo pode acontecer,
Feche os olhos solte o seu prazer
Quando o sonho traz, a vida traz
Tudo Tudo pode o amor ganhar
passe o tempo, passe o que passar
a noite vem, o dia vai
Quando gira o mundo e alguém
chega ao fundo de um ser humano
Há uma estrela solta se alguém diz te amo
e uma esperança desce junto com a madrugada
Como o sol surgindo cada vez mais lindo pela nossa estrada
Esqueça o então o não e o talvez
Diga sim esta é a sua vez
o seu amor vai chegar
Quando gira o mundo e alguém chega ao fundo de um ser humano ..."
Ele nada se parecia com Fábio Jr. E nem se quer sabe deste relato a seu respeito, pois não tive tempo de lhe parabenizar por sua grandeza como ser humano, pois não é sempre que se dá uma lição de vida, usando uma velha camisa desbotada, uma sacolinha de pães, pés descalços, sem eira nem beira. Encantada!.
Jessika Sousa