Diálogo I
- Ganhei.
- O sorteio?
- Sim.
- Foi bom?
- Foi.
- Está feliz?
- Penso...
- Por que?
- Por que o que?
- Por que? Por quê... Não está feliz?
- Estou.
- Então por que não sorri?
- Não sei.
- Não queria o prêmio?
- Queria.
- Então...
- Devo estar... Perplexa.
- Perplexa? Por quê?
- Eu queria o prêmio. E consegui.
- Sim, sim.
- Devia ser tão fácil?
- Como?
- Eu devia ganhar? Fácil assim?
- Bem...
- Bem?
- Você esperava o que?
- Não sei... Algo ruim.
- Um preço?
- Sim.
- Então é do tipo que acredita em compensação?
- Talvez...
- Talvez?
- Sim. Para se estar feliz... Precisamos ter passado maus bocados.
- É nisso que acredita?
- Aham.
- Completamente?
- Não.
- Não?
- Não. Acreditar 100% é o mesmo que se enganar.
- E você crê nisso?
- Sim.
- Ora, talvez...
- O que?
- Talvez esteja errada.
- Sim?
- Acontece de vencermos sem fazer sacrifícios, a princípio...
- Está dizendo que, se eu aceitar o prêmio, pagarei por ele mais tarde?
- Pode ser.
- Então não quero esse prêmio.
- Pelo preço futuro?
- Pelo preço futuro.
- Mas não se pode ter certeza de que seja assim mesmo.
- Verdade.
- Então por que acredita em minhas palavras?
- Por que não?
- Pois... Não temos certezas. De nada.
- Certo.
- Vivemos para coletar experiências.
- Correto.
- Então por que ficar agitada?
- Agitada? Estou calma.
- Não parece.
- O que, então? Lhe parece...
- ... Que está esperando o mal das coisas, onde ele pode muito bem não estar.
- Sério?
- Claro.
- ... Então...?
- E se ganhou o prêmio porque queria ganhar?
- Por que seria isso? Outros também desejavam o prêmio. Eu ganhei por sorte.
- Sorte?
- É. É um sorteio, afinal.
- Mas não poderia ser algo mais?
- Não sei se poderia.
- Vamos...
- Certo, poderia ser verdade, mas...
- "Mas"?
- Mas parece coisa de sonho.
- Sonho.
- Sim, uma utopia.
- É?
- É, seria muito "convencional".
- É bem "convencional".
- Espere.
- Espero. O que?
- Conveniente.
- Perdão?
- A palavra. Não "convencional", mas conveniente.
- Entendo. Mesmo assim...
- Sim?
- Tem algo que gostaria de perguntar.
- OK.
- OK, aqui vai: você ganhou o sorteio pois acreditava que ganharia? Ou foi só questão de sorte?
- Pode ser tanto uma quanto outra, não?
- Que seja. Não ouvi a resposta que queria.
- E qual seria?
- "E isso importa?"
- Importa. Quero saber.
- Não.
- Não?
- A resposta... A qual eu esperava, era "E isso importa?"
- Ah.
- É.
- Compreendo.
- Certo...
- Agora... Responda-me: o que acha que é? Ganhei por acaso ou porque quis?
- Eu...
- Se ganhei por acaso, é porque tenho tanta chance quanto o resto das pessoas.
- Pode ser...
- E se ganhei porque quis, quer dizer que minha vontade é mais forte que a dos outros?
- Sim... Mas... Podemos mudar de opinião.
- Por que eu posso ganhar sorteios mas não posso voar?
- Voar?
- É. Por que não posso voar?
- Acredita ser possível voar?
- Acredito.
- Voar sem ser por um meio de transporte? Voar sem equipamento?
- Não.
- Então. Talvez você esteja com baixo nível de crença. Isso te deixa de pé no chão.
- Mas eu poderia me tornar um pássaro, uma borboleta...
- Quer se tornar um pássaro ou uma borboleta?
- Não... Isso seria complicado de explicar.
- Então. Se não acredita...
- Entendi.
- Mas, espere.
- O que foi?
- Está acreditando em mim?
- Estou.
- Por que?
- Você é convincente.
- Não é bem assim. Apenas estou aqui pra te fazer ponderar.
- Então não devo acreditar que tenho poder?
- Deve fazer o que acha certo.
- O que é certo?
- Descubra.
- Como?
- Exemplo: acha bom acreditar que tem poder, mantém-se convencida disso e vive com o ego inflado. Acha que algo de bom virá disso?
- Não...
- Mas você estará fazendo isso.
- Estarei.
- Em algum momento, esteve ou ainda estará.
- Dá para evitar?
- Provavelmente. O primeiro passo...
- Qual?
- Identificar. Depois, corrigir.
- Certo.
- Agora basta.
- Já vai?
- Vou... Deve pensar por si mesma.
- OK.
- Não dependa só de mim.
- Mas... Quando vamos conversar de novo?
- Quando estiver incerta de novo, como hoje.