Viver é reclamar

Nunca houve doença tão contagiosa quanto a epidemia da reclamação. Basta que alguém vocifere uma mísera reclamaçãozinha sobre algo tão banal como, sei lá, “o tempo”, para que outrem abra um sorriso de concordância revoltada e comece a reclamar também. Não importa se “o tempo” está calor ou frio demais, se chove muito ou pouco, se o fim do feriado chega rápido ou se o fim do expediente nunca chega – qualquer reclamação gera outra e mais outra e mais outra ad eternum. É a própria reclamação a iniciadora-mór de diálogos, de amizades, até de amores! E de brigas e separações. É reclamando que a mãe dá a luz e é reclamando que a criança nasce. É reclamando que a gente procura emprego e é reclamando que a gente trabalha. Viver é reclamar. É sempre a partir de uma insatisfação com o presente que grandes idéias nascem e o mundo se transforma. É a eterna transformação do mundo o maior motivo de reclamação. Todo mundo reclama de tudo toda hora. Pior é que, se a gente ousa lutar contra essa epidemia, acaba sucumbindo e passa a reclamar do quanto o mundo é reclamão. Pior ainda é que, quando a gente constata que está reclamando das reclamações alheias, a gente passa a também reclamar das nossas próprias reclamações sobre as reclamações alheias. E o pior de tudo mesmo é que, paradoxalmente, só reclamando da gente a gente melhora. Melhora passageira, claro, nunca definitiva, pois absolutamente não há cura para a patologia da reclamação. Nascemos assim e assim morremos – não adianta reclamar.