Cinco capítulos

Cinco Capítulos

“Autobiografia em Cinco Capítulos”

Texto extraído do “Livro Tibetano do Viver e do Morrer”. Autor: Sogyal Rinpoche. Ed. Talento.

"Percebemos que caímos com frequência em arraigados padrões repetitivos de comportamento... Podemos, é claro, recair neles muitas e muitas vezes, mas lentamente podemos emergir até a mudança acontecer. O seguinte poema fala a todos nós. Chama-se "Autobiografia em Cinco Capítulos".

1) Ando pela rua.

Há um buraco fundo na calçada

Eu caio.

Estou perdido... sem esperança.

Não é culpa minha.

Levarei uma eternidade para encontrar a saída.

2) Ando pela mesma rua.

Há um buraco fundo na calçada

Mas finjo não vê-lo.

Caio nele de novo.

Não posso acreditar que estou no mesmo lugar.

Mas não é culpa minha.

Ainda assim levo um tempão para sair.

3) Ando pela mesma rua.

Há um buraco no fundo da calçada.

Vejo que ele ali está.

Ainda assim caio... é um hábito.

Meus olhos se abrem

Sei onde estou

É minha culpa.

Saio imediatamente.

4) Ando pela mesma rua.

Há um buraco fundo na calçada.

Dou a volta.

5) Ando por outra rua."

O pequeno e riquíssimo texto acima sempre me fez e me faz refletir bastante. Gostaria de compartilhá-lo, mesmo que muitos já o conheçam. Há mais de vinte dias, encontro-me praticamente reclusa em casa. O salto do meu sapato prendeu em um buraco da calçada, levei um grande tombo, estou com o pé imobilizado e em repouso absoluto. Absolutamente significativo o salto preso em um buraco da calçada. Sinto que, de alguma forma, fui parada para exercitar a reflexão, já aceitei o fato. Nesse período, descobri padrões e crenças que precisavam ser mudadas, e que cabe, somente a mim, mudá-las. Descobri também que, em decorrência de outros problemas por que venho passando, necessitava me aquietar para conseguir resolvê-los, tempo de guarda e de vigilância quando se sofre algum tipo de ataque descabido e perigoso.

Tenho plena consciência de que não sou um ser perfeito, de que perfeição é pura ilusão. Acredito, sim, que estou tendo uma grande oportunidade de evoluir. Mesmo que não seja o bastante, o pouco que eu conseguir já significará alguma melhoria para mim e para o que me cerca.

Penso que só conseguiremos nos desviar de um buraco fundo na calçada ou andar por outra rua, se entrarmos em contato com nosso ser interior. O fazer as mudanças necessárias é tarefa nossa, responsabilidade nossa, de ninguém mais. Há como que um consenso distorcido atualmente: as pessoas tendem a se considerar perfeitas, buscam erros e defeitos no outro, o outro é quem sempre precisa mudar. Seguindo essa linha de raciocínio, nada e nem ninguém acaba por mudar o que se faz necessário, termina-se na mesmice que apenas acarreta prejuízo para todos. Assim, se não tomarmos consciência do que não é mais em nossas vidas, de que somos nós os responsáveis por nós mesmos, por nossas ações, por nosso comportamento e nossa maneira de pensar, cairemos sempre no buraco fundo da calçada. Mudar é aprender, é evoluir, é contribuir para tornar melhor o mundo a nossa volta. Mudar de rua no momento certo é ato de sabedoria. E quantas vezes na vida precisaremos saber como evitar os repetitivos buracos da calçada? Quantas vezes na vida precisaremos aprender a mudar de rua? Seria leviandade dizer que é fácil, com certeza não é. Mas creio que é sempre possível.

Maria Julia Guerra.

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