Tetáqueo

Nem sei como anda o céu lá fora. O céu dos outros. O meu céu agora é branco, tem manchas de umidade e uma rachadura. O que pode ter além dele não são nebulosas e menos ainda outros sistemas solares: é a cama da minha avó. Ou a pia dela. Nunca fui bom em me localizar em outros lugares. No metrô, por exemplo, eu sempre saio por uma escada rolante convicto de que me depararei com o MASP e o que vejo é o prédio da Gazeta. Nunca fui bom com e em nada, pra ser sincero... Deve ser por isso que me contento com um céu pálido de 20 metros quadrados. Quero dizer, ele me lembra o útero. Não, não posso me recordar dos meus momentos lá dentro, mas só de ficar nove meses sozinho, ignorante da imundície que o céu azul do resto do mundo testemunha, crio uma espécie de "memória holográfica" e nela vivo, e é tão bom quanto qualquer comida ou trepada diferente que já experimentei ou possa vir a experimentar. Isso se eu sair e ficar sob aquela insensível abóbada azul. Mas não quero. Hoje não. Prefiro ficar com o cobertor puxado até o queixo, ouvindo Smiths, vendo as minhas formigas espaciais andando pra lá e pra cá e desejando que ele - o céu - desabe.

25/08/2011 - 15h03m

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 25/08/2011
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