A CRÔNICA DA PATERNIDADE
Hoje há uma celebração que se alastra mundo a fora e que remete a uma figura cujo papel é extraordinariamente importante: o pai.
É óbvio que tal como o Dia das Mães, o Dia dos Pais tem o argumento retórico de que teria sido criado com vistas ao fortalecimento familiar. É óbvio também que datas dessa natureza servem, acima de tudo, para robustecer as perspectivas ambiciosas do empresariado mercantilista, sempre atento ao seu lucrativo calendário de "homenagens", pela instrumentalidade de uma mídia que praticamente nos convence a consumir por meio de um terror comercial flagrante. Eis a razão pela qual mantenho-me à margem dessas imposições subconscientes e jamais faço uso de meu singelo dom, com vistas ao fortalecimento de tal coisa.
Todavia, entendo também que há outra forma de se estabelecer um combate a esse flagelo propagandista: deflagrando uma "romantização" do tema, dando-lhe conotações de sentimento real e promovendo uma reflexão profunda acerca de sua mais notável essência.
Por isso, eis-me aqui, não na condição de incentivador da pragmática e vazia ação de presentear os pais pura e simplesmente com um bem de consumo qualquer, mas na assumida postura pública de quem se propõe a discernir o valor e a importância da figura paterna dentro de uma sociedade.
Seguramente, a imagem do pai na sociedade brasileira sofre desgastes muito maiores que a da mãe. Isso é controverso, mas basicamente se deve aos indicadores de uma postura masculina antiquíssima, por meio da qual se construiu um senso comum de que homens são pouco ligados ao apego familiar, que dele se desfazem com leviana facilidade e que nutrem pouca afeição e determinação pela condição paterna enquanto missão de vida.
Isso é tão forte, que nem mesmo a constante incidência de práticas horrendas protagonizadas por mulheres, que abandonam seus filhos ao relento ou lhes maltratam com vil crueldade, foi capaz de promover uma equiparação entre os gêneros no que diz respeito aos seus desacertos nesse parâmetro. Ou seja, o homem ainda é visto como menos afeiçoado à sua família do que a mulher, que (apesar das notícias diárias que atestam toda sorte de absurdos), permanece sendo vista como mais virtuosa nesse sentido.
Devo confessar aqui, que mesmo em meus tempos de adolescência, costumava me pegar refletindo acerca disso. Analisava exemplos conhecidos e até testemunhados em meu próprio contexto familiar, para estabelecer um alvo pessoal e um modelo imaginário do pai que um dia eu desejaria ser.
Quando em 1996 nasceu meu primeiro filho (Jhonatta), Deus me deu a oportunidade de testar a validade de tudo quanto eu planejara. Lembro-me o quão difícil foi. Eu era apenas um imaturo jovem, transitando na ponte da inexperiência com a competência, cheio de boas vontades e vazio de talentos. Não sabia como lidar com as situações corriqueiras dos cuidados com meu filho, não era capaz de discernir suas vontades e acabava sempre correndo à minha mãe, numa desesperada busca por auxílio e soluções. Coisa que ela manifestava com impressionante facilidade e que aos poucos foram me consolidando em meu projeto pessoal. Dentro em pouco eu já me achava adestrado para toda sorte de cuidados que meu filho necessitava e não me esqueço do íntimo e profundo orgulho que isso me proporcionava - uma vaidade que eu me permitia sentir, pelo prazer de não só ter gerado uma vida, mas, acima de tudo, estar zelando com amor por ela.
Três anos depois essa experiência se intensificaria com a chegada de minha princesinha Ana Raquel. Já mais preparado pela bagagem dos anos anteriores, pude exercer com ela um papel ainda mais aprofundado e de resultados muito mais satisfatórios, o que, do mesmo modo, encheu meu coração da mais profunda alegria.
Os anos se passaram e hoje meus filhos já visitam o universo da pré-adolescência, novos desafios brotam e eu contabilizo tudo que vivi atrás. Percebo que dialoguei com eles ainda no ventre materno, que lhes tive nos braços desde os primeiros dias de vida, que conheci, lutei e combati vitoriosamente todas as enfermidades que tiveram, que estive presente em seus primeiros passos sozinhos e ouvi suas primeiras palavras pronunciadas. Lembro as tantas vezes que de joelhos dobrados e rosto molhado clamei a Deus por suas curas, das inúmeras canções que entoei, tendo-os recostados ao peito e no embalo da rede, para que dormissem. Lembro das madrugadas de sono interrompido para alimentar a urgência da fome repentina, das incontáveis horas de acompanhamento e reforço na lição escolar, da preocupação de não esquecer a hora certa do remédio e jamais perder o momento exato de acordá-los para a escola.
Eu vi até aqui todos os episódios significativos nas vidas de meus filhos, conheci seus dramas, me fiz de super-herói na ocasião de seus medos e jamais abandonei a batalha diária e incessante de não permitir que nada lhes falte. Hoje, vendo meu filho um lindo rapaz, cheio de sonhos e cercado de menininhas apaixonadas, não posso negar que bate uma deliciosa sensação de orgulho. Vendo também aquela minúscula princesinha se transformando numa linda moça, tão encantadora e vaidosa quanto a mãe, sempre afetuosa e apegada a mim, acabo por sentir igual e intraduzível emoção de felicidade.
É claro que eu não teria conseguido sem o apoio de minha mãe e minha esposa (as mulheres de minha vida), as quais me treinaram com heróica paciência, para que de um desajeitado marinheiro debutante, eu me tornasse um especialista na divina arte de ser pai.
Eu sei que a missão não terminou. Ela não é cronológica, temporal ou biológica. A paternidade não tem prazo de validade, não é comprometida com o amadurecimento dos filhos e nem finda com a chegada da velhice. Eu ainda terei muitas outras cenas novas para testemunhar, muitos outros papéis a exercer e muitas outras intervenções a assumir, para manter meus filhos seguros e bem preparados para a vida. Mas admito, que com base no ponto em que cheguei, posso afirmar que meus planos antigos não foram necessários e nem úteis quando a missão verdadeiramente surgiu. Quem me ensinou a ser pai foi a própria paternidade e quem me deu forças para tal, foi esse imensurável amor que carrego por minha família.
Por isso, não sei se os índices atuais mostram o aposto, mas eu posso publicar nesse espaço ao mundo inteiro que sou um pai que pode olhar nos olhos dos filhos com a convicção de quem sabe e ama exercer esse celestial privilégio, dado pelo Pai dos pais, e que me impele a apelar às consciências para que nunca desprezem, abandonem, maltratem ou desvalorizem o maior de todos os tesouros terrenos, que são as nossas famílias. Havendo essa luz em cada alma, mesmo que os shoppings fiquem vazios, teremos alcançado o verdadeiro Dia dos Pais!
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Reinaldo Ribeiro - O Poeta do Amor