Café, bilhete e companhia.
Todos os dias após o jantar ela fazia uma garrafa inteira de café. Morava sozinha. Colocava a mesa para duas pessoas, esvaziava seu prato e ia para o sofá. Colocava uma xícara no apoio ao lado dela e outra xícara no apoio paralelo a ela. Pensava no dia e na ironia que fazia para si mesma. Engraçado era que ela não tinha nenhum pretendente em vista. Muito menos algum amor passado. Ela nunca tinha provado o tal amar. Mas achava sua vida suficiente. Era feliz na medida do possível. Tinha uma rotina plausível. Honrava seus compromissos. Conversava pouco. Adorava ler alguns livros, tinha gosto por poesia. Assistia os atores contracenando em series e filmes. Gostava dos antigos, onde falavam de um amor bonito e esquecido. Por sua personalidade incrível, ela não se sentia sozinha. Assim ia levando os dias, semanas e anos.
Todo dia ele escrevia um verso em um papel avulso e o jogava pelo muro, janela, até deixar alguns no metrô ele já deixou. Adora rimar e formar palavras. O jeito como ficavam juntas e a sintonia que formavam. Era gostoso ditar versos em voz alta para o nada. Morava só, mas era feliz. Era simpático, carismático e bonito, muito bonito. Era na dele. Tinha seu próprio mundo, suas próprias fábulas. Era escritor, um escritor abandonado e esquecido pelo mundo. Mas destemido, depois de todo abandono ainda escrevia seus versos todo dia. Era simples e com pouco dinheiro no banco resolveu mudar-se para um prédio menor e com uma vista linda. Assim foi.
Naquele dia ele chegou ao hall com trezentas caixas e uma mochila nas costas. A chave a mão e com uma nova inspiração. Muito atrapalhado que era foi subir as escadas com uma caixa enorme que cobria os olhos. Ela, a moça sozinha, descia apressada por que o ônibus já estava passando. “Baf” foi o estrondo dos dois. A mulher ficou de pernas para cima e ele não parava de rir. A caixa de livros rasgou, foi folha para todo lado. Ela disse com excesso de raiva: - O senhor não olha por onde anda? Ele ainda continuava a rir. Estava vermelho. E disse em meio a engasgos: - Desculpa menina, deparamos no mesmo segundo, no mesmo pensamento, hein? Ela mal o escutou, bateu o vestido e deu as costas pra ele. Ele gritou: - Sabe o que eu preciso? De ajuda, por isso caio sempre. Um sintoma de compaixão a revestiu toda. Ela ficou juntando os papéis de livros e reconhecia aquelas páginas das suas tardes vazias. Entraram no apartamento sujo e vazio dele. Foram colocando as caixas no chão e empurrando os móveis. Aí que ele disse com o ar preocupado: - Te fiz perder um dia de trabalho não foi? Ela sorriu e respondeu: - Tudo bem, eu que me perco todo dia naquele emprego. Ela se sentiu solta com ele ali. Ele era divertido e descontraído. Nossa como a fazia rir. Ele pensava “que risada de despertar os céus”. A tarde foi passando e a noite chegando. Era hora do jantar, hora do café. Foram para o apartamento dela. Ela fez a mesma garrafa cheia, mas agora a xícara tinha companhia. Riam, conversavam. Contavam da solidão e como não se sentiam mais sozinhos. Ele confessou ser escritor. À noite fora longa. Conversas enormes, mas tinham que ir, era hora. Ela foi até a porta. Ele elogiou seu bom gosto. Ela segurava e quase empurrava a porta até que ele a empurrou no sentido oposto, segurou seu rosto e a beijou. Um beijo suave e calmo. Um dos poucos beijos que ela deu na vida. O melhor que ela deu na vida. Fechara a porta e um sorriso se estendeu nas duas caras. A noite foi leve. Ela acordou tomou café e quando viu tinha um pequeno papel branco embaixo da porta. Ansiosa logo leu: “Descobri o encanto que procurava. Descobri uma moça linda na madrugada. Descobri o que é dormir sonhando com um rosto. Descobri o que é ter gosto em uma conversa. Descobri o que é espera ansiosa ao amanhecer do dia. Descobri você querida, a mais doce peça que o destino podia pregar em mim.”
Ela correu pegou um lápis e rabiscou: “Vem aqui, toma café comigo. Todos os dias, meu querido.”