Temporanças

Eu acredito que o objetivo da Literatura é impedir a desaparição do tempo.

Isaac Singer, escritor polonês.

Somos seres vivos e tudo que é vivo morre um dia. Nada lembra mais nossa condição mortal que o tempo. A deterioração dos corpos, o desgaste do organismo, o envelhecimento, tudo depende do tempo.

Inefável é tudo aquilo que não pode ser descrito, que não pode ser definido. Sendo assim, o tempo é inefável. Não há como descrever o tempo. Não totalmente. Pode-se até chegar perto do que ele seja, mas defini-lo completamente... São outros quinhentos.

Percebemos isso quando falamos do passado. O passado nunca voltará, mas tentamos ressuscitá-lo com nossa memória. Mas nossa memória é falha. Coloca-se uma frase não dita aqui, muda a cor daquele quarto da casa ali. Quando falamos do passado, nunca estamos falando do que realmente do que aconteceu, mas do que parece que aconteceu.

Não há como reconstruir o passado. Mesmo que você pegue as mesmas pessoas, o mesmo lugar e tente recriar o mesmo acontecimento. O atmosfera não será a mesma. Nós reconstruímos sim o passado, mas não com a cara que ele realmente tinha. Reconstruímos o passado com os tijolos do presente. Passado e presente são parte da mesma estrutura, o tempo.

O passado é reconstruído pelo presente, enquanto o presente é construído pelo passado. O que dá sentido ao presente é a história. Sem nenhum vínculo com o passado você pode pensar que as coisas sempre existiram, que o mundo já nasceu pronto. O Rio de Janeiro sempre teve favelas, o Oriente Médio sempre teve seus ditadores e terrorristas e os EUA sempre foram os donos do mundo. O sempre não existe em história. O Rio de Janeiro veio a ter favelas por conta de um processo, assim como o Oriente Médio atual foi construído por fenômenos sociais, políticos, econômicos e religiosos.

E o futuro? O futuro está implícito no presente também. Não tão implícito ao ponto de fazermos profecias certeiras, mas está. O que está á nossa volta hoje poderá não estar amanhã, pois, como sabemos, tudo está sempre mudando (parafraseando o velho Bob Dylan). Mudando das mais variadas formas: independente ou dependente de nossas ações. Não existem mudanças bruscas. A história é feita de rupturas e continuidades. O futuro é uma paisagem mutante, mas que sempre terá algo de novo e algo familiar.

A dinâmica do tempo é implacável. O que passou, passou; o que está sendo, está sendo;o que será, será. Não há como mudar isso, a menos que você tenha uma máquina do tempo. Chamar algo de implacável é encarado sempre como algo pejorativo. Alguém implacável é perigoso, pois não pode ser detido. Mas implacável também pode ser entendido como algo justo, afinal o tempo não discrimina ninguém (embora eu acredita que ele possua um certo favoritismo com algumas pessoas).

O fato é que sem o tempo não haveria renovação, essa palavra que acredito ser a resposta para o sentido da vida. Todo animal, toda planta, toda pessoa nasce, cresce, se reproduz e morre. Assim dão espaço para outras gerações. O tempo tem esse cárater maravilhoso da renovação.

Vamos á natureza. Fernando Pessoa através de seu heterônimo Alberto Caeiro nos lembra que a natureza é essencialmente esquecimento. Ninguém se lembrará daquela árvore ou daquele pardal. A natureza sabe ser anônima, mas harmoniosa. Renovação e esquecimento, um par perfeito. Mas precisamos relativizar isso, afinal não existe esquecimento total. Tomemos os animais como exemplo: embora exista o instinto, a maioria de suas ações são baseadas no aprendizado com os demais seres da sua espécie. Por exemplo, uma águia criada entre galinhas pode sentir o instinto de rapina ou de voar, mas nunca o desenvolverá bem.

O homem possui instintos também. O instinto de sobrevivência, de violência, de reprodução, de comunidade, etc. Mas de todos, destaco um: o instinto de superação. O homem quer sempre ir além de suas condições. Ora, se não fosse isso ainda estaríamos nas cavernas, conformados com nossa vida bucólica. Esse instinto ás vezes pode descambar para a megalomania, é verdade, mas ele também é responsável pelo sentimento de realização que tantos procuram.

Marx dizia que o homem só é completo quando se torna sujeito, quando transforma a realidade. Qual a forma mais básica de se transformar a realidade que o trabalho? Basta afinidade e o trabalho será a maior realização de sua vida.

O homem tentando superar a natureza, a realidade e a si mesmo criou várias invenções, materiais ou não. Em pouco tempo, superar passou a significar dominar. Assim, tentamos dominar a natureza, ao invés de respeitá-la. Tentamos construir nossa realidade e mantê-la da forma que for preciso, ás vezes apelando até para meios duvidosos.

Nossa maior frustração, contudo, vem da morte e do tempo. Ainda não conseguimos dominar nem uma nem outra. O interessante é que ainda estamos tentando fazer isso. Ao invés de aceitá-las e conviver com isso.

De todas as formas de superar a morte e o tempo, acredito que a mais interessante (e cativante) sejam as artes. Uma obra de arte é antes de tudo expressão de um artista e enquanto existir lembrará sempre seu criador, uma vez que ali está uma de suas marcas.

É comum ouvirmos que algumas pessoas foram eternizadas por suas obras. É uma meia verdade. Um quadro ou um livro não equivale á toda a complexidade de uma pessoa. Ainda assim uma parte dela está ali, isso é inegável.

Difícil dizer que arte veio primeiro, se as artes visuais ou linguísticas. Literatura e Artes Plásticas podem ter surgido á milhares de anos atrás juntas. De qualquer maneira, todas são meios de expressão do homem. Por meio de imagens transmitimos sensações ou pensamentos, assim como na linguagem escrita. O interessante é que uma obra carrega consigo a marca da época e de quem a criou (portanto, também é refém do tempo), mas a mensagem que transmite ainda pode encontrar na sensibilidade e no senso crítico dos outros um porto seguro. Por exemplo, um escritor falando sobre o poder destrutivo do ciúme em um família tradicional nos últimos anos do Império pode encontrar um leitor que compreenda seus personagens e seu tema em outro país, em outro milênio. Por que não? Afinal, continuamos sendo humanos e continuamos sentindo ciúmes. Após ler ou ver algo que nos desperta algum sentimento, reatualizamos seu autor. A sensação que sua obra nos desperta também volta para ele na forma de reconhecimento. O reconhecimento pode produzir um sentimento de ligação muito forte. É como dizem os versos de Carlos Drummond de Andrade:

E já não somos finitos e sós.

Somos uma fraternidade, um território.

Enfim, apenas queria falar sobre o tempo e as artes. Queria propor, algo que não é novo, que seria entender a arte como forma de subverter o tempo e, simultaneamente, como um reduto de temporanças.

Vinicius AA
Enviado por Vinicius AA em 12/08/2011
Reeditado em 12/08/2011
Código do texto: T3155585
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