Síndrome

Uma vez eu disse “nunca escreva muito na primeira página”. Mas acho que isso não de aplica quando – ou enquanto, ou como você achar que deve ser – eu tomo café. Eu raramente tomo café. Minhas lentes embaçam e desembaçam numa rapidez tão grande que nem deu tempo de pensar em contar quanto tempo elas demoram pra fazer isso. Eu coloquei as canetas ali de uma forma que acho difícil elas conseguirem cair sem ajuda de terceiros.

Não sei que horas são. Cada gole de café que tomo me causa um arrepio. Daqui a pouco mudo pra whisky.

Eu só sou eu mesma quando estou pintando ou escrevendo. É difícil alguém mostrar mais de uma das pessoas que vivem dentro de si para alguém além da pessoa que ela vê no espelho. Às vezes nem a pessoa no espelho sabe. No meu caso, sei demais. Sei que a pessoa que não fala exageradamente, que evita olhar nos olhos dos outros por muito tempo, que fica triste quando é assaltada, que almoça com a família, que está quase sempre bem e que não se importa em camuflar coisas não é a mesma que está escrevendo agora. Eu sou uma marionete de mim mesma, feita especialmente pra seguir o roteiro que eu escrevo para ela todos os dias. E ela faz tudo certo, ou quase tudo.

Feita especialmente para cumprir o papel de ser humano inútil e descartável, que é dado para todas as pessoas quando elas nascem, para fazer parte do grande circo, do grande teatro, do grande talk show, da grande farsa que é a vida, tão linda em frente às câmeras e tão podre e fétida nos bastidores.

Somos todos personagens e cada vez mais aperfeiçoamos esses personagens para que os atores se tornem seus personagens e os personagens assumam o controle completamente.

Ninguém é “si mesmo”.

E eu odeio café. E o meu café está sem açúcar. E eu preciso beber. Quando bebo me sinto mais próxima do meu ídolo. Me sinto como sendo uma pequena parte dele, um espermatozóide, uma poça, e não tenho a menor intenção de permanecer uma poça. Se eu for fazer só o que eu gosto vou perder minha marionete, vou ficar louca e vão me dar remédios e vão me mandar conversar com um padre e ele vai dizer que meu problema não é espiritual e vão me dar remédios. Quando se começa a ser o que realmente se é – se você for alguém como a pessoa que aqui vos fala - , te dão padres e remédios e fazem você ver como a cura é importante e como a cura está mais perto do que você imagina e como tudo que você tem dentro da cabeça é inútil se você tiver deus no coração, pois é aí que você vai, com toda certeza, encontrar paz. Ainda bem que eu nunca fui fraca o suficiente pra me apegar a alguma fé.

Eu queria explodir minha mente.

Mariana Schweiger
Enviado por Mariana Schweiger em 30/07/2011
Reeditado em 11/09/2011
Código do texto: T3129502