Sobre a liberdade e o futuro...
Porque desde o princípio e até então não foram outros senão os pensamentos os maiores escravizadores que a humanidade jamais teve.
Se há os que vangloriem-se por liberdades físicas que se tenham adquirido (após conflitos sangrentos ou não), há também os que não conseguem, ainda sim, se acomodar, pois vêem uma servidão que, pior que a física, submete a tantos ou mais que essa, porém, sem que possa suspeitar a maioria. E me refiro, pois, a escravidão mental, aquela que atemoriza e confunde os seres das mais variadas épocas e formas, de modo que espalhando-se rumo ao fundo do ser, lhe atinge o espírito, privando-o de suas altas manifestações.
Eis então que o homem, que tanto buscou a liberdade, tem vivido os dias da maior escravidão de todos os tempos, já que, se antes eram povos, religiões e seitas disjuntas a delimitarem rebanhos distintos, e que hora ou outra entravam em guerra, hoje, cada vez mais vemos surgir, sistemas maiores de repressão da alma, e onde pensamentos submetiam vontades individuais, de pequenos grupos ou de um povo em particular às mais frias injustiças (mesmo as não tão explicitadas), hoje estão verdadeiras massas humanas que se expandem e se colidem em proporções cada vez maiores, e todas sob alguns daqueles mesmos pensamentos originários destes conflitos...
Ora, olhemos nós para as nossas castas e para os rebanhos, e questionemo-nos quanto ao nosso sentido de liberdade, pois não foram as Luzes¹, nem Lutero, nem Galileu, nem Gandhi, nem Luther King, nem Simone Beauvoir, nem Lenon, nem Einstein e nem nenhum outro ainda realmente capaz de mudar nossos conceitos mais cristalizados, que para além da Política, da Religião, da Ciência, da Filosofia e da Música, mantém-se todos vivos e, como pedras angulares, fomentando ainda todos aqueles velhos ranços e deficiências humanas... ou negaremos que ainda a Ciência rendeu-se às mesquinharias da vontade humana concebendo as mais terríveis armas jamais imaginadas? Ou negaremos que ainda a Religião fracassou em seu intento de unir povos quando estipulou, cada uma, seus próprios ídolos e manifestações únicas de Deus, como se houvesse Deus submetido-se a alguma em algum livro "sagrado", ou a qualquer construção humana? Ou negaremos que a música não honrou a arte quando apelou mais às mais efêmeras formas de prazer, e hoje conduz massas jovens aos destinos mais fracassados e dignos de pena? Ou negaremos que a Filosofia errou quando, com suas infinitas especulações e reclusão acadêmica, distanciou seu "amor à sabedoria" do homem, do homem comum, que carrega em si, mesmo que inconscientemente, tal afeição à superioridade do saber?
Podemos negar estas coisas, caro leitor?
É agora que em nossas almas e com nossos corações e mentes ávidas de real liberdade que poderemos, nós, questionar todas as coisas, cada um em si primeiro, pois se as instituições e os conceitos impostos aos homens de boa fé não permitiram a estes manterem-se em paz, nem por uma década, se ainda ouvimos tiros, gritos, gemidos e o "tu-deves" saindo das mais diversas bocas de nosso poder, que autoridade senão a do indivíduo reflexivo poderá servir de humano e distinto peso padrão no enunciado dos valores que se irão colocar na balança que emitirá os juízos do futuro?
Os conceitos do futuro só podem, então, nascerem e serem cultivados nos homens do presente, cada um deles: cada um de nós é uma ponte entre o passado e o futuro, conscientizemo-nos pois disto, e sejamos condutores da humanidade presente comum e decadente para uma futura humanidade superior, mais condizente com nossas altas capacidades e anelos.
¹Referi-me ao Iluminismo e à Revolução Francesa