Vão te aconselhar...
Se o nosso poder de crítica e de protesto é reprimido e desencorajado, então, é preciso repensar a cidadania. É preciso repensar a democracia. Se a idéia é desqualificar a pessoa que realiza as críticas, que contesta as coisas estabelecidas, que sabe que a ordem social estabelecida não passa de uma emboscada, então, mais do que nunca, é preciso discutir a sociedade, ainda mais se for uma sociedade que se diz democrática. Perceber que o poder instituído tem uma capacidade de coação violenta contra os que protestam, contra os que se indignam, contra os que não aceitam a alternativa imposta de cima para baixo, é perceber que a liberdade de pensar, falar ou escrever contra a ordem atual das coisas está sendo vigiada. E a punição, muito das vezes, é notória; fica a cargo dos que assumem, consciente ou inconscientemente, a postura do governo, o discurso do poder instituído. São aqueles que aceitam as garantias que o poder instituído oferece, e acreditam que é o suficiente para garantir uma vida... menos medíocre. A idéia é adaptar-se da melhor maneira possível, a idéia é fazer o que se dá com o que se tem. A idéia é se acostumar, a idéia é pensar... ou melhor, não pensar a sociedade em que se vive. A realidade não condiz com nada do que nós vivenciamos, experiênciamos e pensamos. Pelo contrário, a realidade está aí, posta como algo indiferente a nós. Aquele que se propõe rasgar o véu que encobre o rosto, aquele que se propõe a pensar criticamente a sociedade na qual se vive, de repensar os mecanismos de manutenção da ordem, é um alguém visto como inconveniente, um cara chato, um cara que não sabe de nada. É visto como um cara que é contra tudo, e não é a favor de nada. Pensar uma outra sociedade possível é algo banal, no mínimo sem importância. Pensar no que realmente importa, de fato, é considerado uma gafe. Contestar é uma grosseria. A idéia é sempre essa, vão nos aconselhar: a coisa não é bem assim, não se meta com uma autoridade (principalmente se for em uma sociedade dita democrática), vão lhe aconselhar que o fracasso e o sucesso são as portas que o indivíduo opta de plena consciência, na socidade do futuro. Na democracia, nada mais democrático que oferecer os caminhos a serem trilhados, mesmo que os caminhos sejam os mesmos de sempre, mesmo que a esperança seja a mesma de sempre, os pensamentos sejam os mesmos de sempre, as atitudes, os discursos sejam os mesmos de sempre. Nada mais democrático que os vários mesmos que nos oferecem. Nada mais democrático. O medo, a resignação, a humilhação são valores que se não for apreendido logo cedo, alguém, sem dúvida, irá lhe ensinar. Não se apresse, tudo ao seu tempo, todo o tempo para a construção da ordem. A idéia é aceitar o discurso, baixar a cabeça, mudar o tom, e ser feliz. A idéia é conseguir prosperar na vida, prosperar na ordem, com a ordem e pela ordem. Nada mais, nada menos.